O Peso da Jangada

Um homem estava rodeado de perigos quando alcançou um rio. A outra margem prometia segurança.

Pedro Amendoeira
16 de Março de 2015

Um homem estava rodeado de perigos quando alcançou um rio. A outra margem prometia segurança. Urgia atravessar o rio e, para tal, construiu uma jangada com troncos e ramos. Satisfeito com a solução encontrada, decidiu a partir de então passar a carregar sempre, essa jangada às costas, fosse onde fosse.

 

Neste conto oriental revejo inúmeras situações em que soluções úteis no passado se acabam por tornar pesos que carregamos durante anos e anos. Isto é verdade na esfera pessoal e também organizacional. É frequente nas empresas que soluções que no passado geraram rentabilidade, continuem a ser aplicadas anos depois, quando as condições não são de todo as mesmas. De que valerá a jangada, excelente para atravessar o rio, num oceano, deserto ou floresta?

 

Esta leitura levanta uma grande questão: como podemos evitar suportar nas costas "jangadas"? A resposta é difícil, pois com frequência não nos apercebemos do peso extra que transportamos. Creio que o método mais eficaz a nível organizacional será uma constante e cuidada análise das circunstâncias e desafios actuais (perfis de utilização, necessidades reais, outros factores que condicionem as operações) para averiguar se utilizamos sempre as soluções mais adequadas. Outra resposta poderá passar por ouvir alguém que não esteja ligado à jangada, que a registe como uma carga dispensável.

 

Creio também que este conto nos alerta para a prevalência de outra limitação de raciocínio: "fomos nós que fizemos, portanto é o melhor que pode existir". O personagem afeiçoou-se à jangada também porque era obra do seu esforço. Dan Ariely chama a esta limitação ao comportamento racional "efeito Ikea", tendo demonstrado que as pessoas atribuem um valor muito mais elevado àquilo que elas mesmas produzem, independentemente da sua qualidade intrínseca. Nesta linha, qualquer processo que implicasse mudança estaria condenado, certo? Não! Se conseguirmos que todos os envolvidos se sintam co-autores do projecto de cada nova jangada (ou caravela ou nau) que queiramos construir, o mesmo que a Ikea consegue ao tornar cada comprador num artífice, indispensável ao produto acabado. O desafio estará em conseguir voltar a quebrar o ciclo de auto-satisfação gerado algures no tempo, para que cada nova solução não volte a ser apenas mais um peso a transportar às costas... Boas viagens!

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