Gestão da Qualidade e Ensino Superior: Batalha Perdida ou Aposta a Ganhar?

Ao longo das últimas décadas têm-se assistido a um crescimento das preocupações públicas com a qualidade das instituições de ensino superior

Maria João Rosa
31 de Julho de 2015

Ao longo das últimas décadas têm-se assistido a um crescimento das preocupações públicas com a qualidade das instituições de ensino superior, o qual se tem traduzido no aparecimento de mecanismos diversos de medição e melhoria da qualidade nestas organizações, tais como indicadores de desempenho, acreditações, avaliações de cursos e instituições e auditorias da qualidade. Simultaneamente várias têm sido as tentativas de importar modelos de gestão da qualidade do sector industrial para os sistemas e instituições de ensino superior.

Estes desenvolvimentos levaram ao surgimento de um debate acérrimo sobre a aplicabilidade dos princípios, metodologias, ferramentas e modelos da gestão da qualidade ao sector do ensino superior. De um lado, várias foram as vozes que advogaram a não aplicabilidade desta filosofia de gestão, uma vez que a mesma tinha tido origem na indústria, não tendo, por isso mesmo, nada a ver com o etos do ensino superior. Outras vozes, porém, ofereceram uma visão mais suavizada do assunto em debate, defendendo que muito embora as instituições de ensino superior não fossem empresas alguns dos princípios e ferramentas da gestão da qualidade poderiam ainda assim ser aplicadas nestes contextos organizacionais, desde que se mantivessem como instrumentos ao serviço das instituições e dos seus órgãos de gestão, sendo aplicados em função da missão, objectivos e estratégias das mesmas.

O debate é antigo, embora algo estéril e pouco profícuo, nomeadamente no que respeita a concluir sobre a aplicabilidade, ou não, da gestão da qualidade em instituições de ensino superior. A situação pode, no entanto, estar a mudar, uma vez que os desenvolvimentos em termos de qualidade no ensino superior que se seguiram à assinatura da Declaração de Bolonha em 1999, têm conduzido as instituições à implementação de sistemas internos de garantia da qualidade. A forma como estes sistemas devem funcionar e ser organizados não está definida à partida, sendo que o único requisito especificado para os mesmos se prende com a necessidade de permitirem o cumprimento dos sete padrões de qualidade estabelecidos na Parte 1 dos European Standards and Guidelines (ESG) . Cabe, pois, a cada instituição definir e implementar o seu próprio sistema de qualidade de acordo com a sua missão, objectivos e cultura institucional. E assim sendo, esta pode muito bem ser a altura de voltar a olhar para os princípios, ferramentas e modelos de gestão da qualidade e ver até que ponto os mesmos podem ser úteis às instituições de ensino superior para o desenvolvimento de sistemas de gestão da qualidade verdadeiramente eficazes e capazes de promover a qualidade dos principais processos que ocorrem nestas organizações (ensino e aprendizagem, investigação e terceira missão), os quais têm um papel fundamental para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas.E alguns dos modelos de gestão da qualidade mais conhecidos, tais como as normas da série ISO 9000 ou o modelo de excelência da EFQM, podem de facto ser, se não uma opção, pelo menos uma fonte de inspiração. Todos eles propõem uma análise da instituição de ensino superior como um todo organizacional, que inclui não apenas as suas missões de ensino e investigação, mas também outras actividades e, particularmente, a sua gestão institucional. É, pois, tempo de ir além dos debates sobre se a gestão da qualidade é ou não aplicável ao ensino superior, prestando menos atenção a rótulos e etiquetas e focando a análise no conteúdo e substância dos diferentes modelos de gestão da qualidade actualmente existentes. Até porque como Rosa, Sarrico e Amaral (2012) concluíram, os modelos de gestão da qualidade não só têm potencial para cobrir os padrões e linhas de orientação estabelecidos pela ENQA em 2005 para o ensino superior, como adicionalmente podem permitir às instituições de ensino superior dar um passo em frente, abrindo a porta para o desenvolvimento no seu seio de uma verdadeira cultura da qualidade.

Cabe, portanto, às instituições de ensino superior, no contexto da sua autonomia e tendo em consideração aquilo que são as suas características particulares enquanto organizações, procurar juntar “o melhor de dois mundos”. Não devendo ser seu objectivo importar tout court a gestão da qualidade de outros contextos organizacionais para o seu seio, parecem, no entanto, existir princípios, ferramentas e modelos que serão suficientemente relevantes e importantes para merecer ser equacionada a sua aplicação no contexto destas instituições, sobretudo se quiserem enfrentar com sucesso os desafios que não só se adivinham, como já se colocam, neste início do século XXI. A batalha da gestão da qualidade no ensino superior não está perdida; pelo contrário, os acontecimentos mais recentes levam-nos a pensar que a aposta numa gestão da qualidade neste sector pode muito bem estar em vias de ser ganha.

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