Um jogo chamado… Propriedade Intelectual. Algumas regras iniciais.

Com certeza que já terá jogado algum jogo na sua vida. Quando estamos perante um novo jogo, a primeira atenção que se tem é aprender as suas regras de funcionamento.

Mário Castro Marques
31 de Março de 2018

Com certeza que já terá jogado algum jogo na sua vida. Quando estamos perante um novo jogo, a primeira atenção que se tem é aprender as suas regras de funcionamento. Muitas vezes, apercebemo-nos que se trata de um jogo mais complexo e que exige alguma aprendizagem, treino e experiência, para que nos seja possível jogá-lo com sucesso.  Cada jogo tem também os seus objectivos específicos, os seus desafios e competição, adversários – sejam estes outros jogadores reais ou virtuais ou o próprio sistema – e as suas ferramentas, entre outros.

Naquela aprendizagem, o jogador vai compreendendo o “modus operandi” da nova competição e, mediante raciocínio e destreza, tenta entender os objectivos e desafios que lhe são colocados, começando a experimentar soluções e a construir um plano, composto por uma ou várias estratégias plausíveis. Uma percepção geral inicial é, desde logo, observada: sem uma boa preparação prévia, será mais difícil de se alcançar o sucesso: vencer o jogo e ter-se bons resultados.

Há jogos mais difíceis do que outros e que requerem mais preparação, embora, por vezes, a sorte de principiante também faça parte do jogo.

Mas, o que terá tudo isto a ver com a Propriedade Intelectual, poderá perguntar? Muito e a seguir esperamos demonstrá-lo.

A Propriedade Intelectual é formada pelo conjunto de regras, que têm como principal denominador comum, o de atribuírem direitos sobre bens imateriais ou intangíveis.

Mas, desde logo, poderá também perguntar e bem, em que consiste essa imaterialidade ou intangibilidade?

Consiste, basicamente, na circunstância daqueles bens poderem ser utilizados por diversas pessoas em simultâneo e estas até poderem estarem em pontos geográficos completamente distintos e, muitas vezes, distantes.

Vejamos, por exemplo, o caso da Marca X de smartphone. A empresa titular desta quando comercializa aquele modelo de smartphone nos vários mercados, coloca-lhes a sua Marca, identificando cada exemplar do produto, em termos comerciais.

Os diversos compradores irão todos utilizar a Marca no seu smartphone. Cada qual, apenas é proprietário do smartphone e não da Marca. Esta irá estar “presente” e visível em diversos locais e a ser utilizada, em simultâneo, por diversas pessoas que têm aquele modelo da Marca de smartphone.

Mas quem beneficia em último caso é a empresa titular, que vê a sua Marca circular no mercado e valorizar-se – caso tenha sucesso comercial.

Os bens imateriais ou intangíveis têm, deste modo, o dom da ubiquidade, sendo portanto extremamente importantes numa perspectiva empresarial.

A obtenção de direitos de exclusivo sobre esses bens irá possibilitar à empresa atingir uma certa posição e controlo no mercado, em que a livre concorrência continua a ser a regra – e aqueles direitos a excepção.   

Posto isto e regressando ao jogo da Propriedade Intelectual, observa-se que qualquer participante/jogador, em cada jogada, só poderá ir vencendo os seus adversários, tendo os seus trunfos e jogando-os bem. E quais são eles neste jogo?

Os direitos de exclusivo são os principais trunfos, pois conferem uma “apropriação” a quem os tem, permitindo – em certas circunstâncias - impedir que os adversários adoptem certos comportamentos e ofereçam também produtos/serviços[1] com certas características ou semelhanças aos seus.

Como acima se anteviu já e se observa agora melhor, este jogo da Propriedade Intelectual tem ligação com outro jogo, bastante mais abrangente, e que se dá pelo nome de Mercado.

Com efeito, a grande maioria daqueles direitos, actualmente, estão interligados com este grande jogo do Mercado, conferindo posições estratégicas neste ao jogador que os detém, influenciando e cativando-lhe clientes e limitando ainda certos comportamentos concorrenciais dos adversários.   

Por exemplo, ter uma Marca ®, permite impedir que outros concorrentes possam vender produtos/serviços, iguais ou similares, com aquela Marca ou parecida, no Mercado onde haja o ® – a não ser que tenham autorização.  

Mas permite também ao jogador, titular/proprietário da Marca, participar no jogo, de forma mais autónoma, diferente, e podendo distanciar-se mais dos seus adversários e impedir que estes se aproximem muito dele no Mercado.

Ter um Desenho ou Modelo (Design) ®, permite também impedir que outros adversários usem esse Design, no Mercado em que está ®.

Podendo o jogador que o detém, oferecê-lo comercialmente naquele Mercado, de forma única e exclusiva ao consumidor.

São, portanto, alguns exemplos de trunfos que permitem ao participante jogar, investir, criar e desenvolver a sua estratégia, salvaguardando-se contra certas acções dos adversários – pelo menos, dando-lhe a possibilidade de reagir contra jogadas que ponham em causa os seus trunfos.

É importante ainda compreender que se trata de um jogo que pode ter muitas jogadas, que pode durar muito tempo e, por conseguinte, não pode ser visto a curto prazo, mas sempre a médio e longo prazo.

Os prazos de duração destes trunfos, depois de obtidos, são, desde logo, diferentes em função do género de direito obtido e, nalguns, podem ser mesmo renovados, noutros não. Desde os 5 anos, 10 anos, 20 anos, ou a vida toda do criador mais 70 anos depois da morte, são alguns destes prazos.

Estas durações permitem vislumbrar um jogo que, em muitos casos, pode durar muitos e muitos anos, com muitas e muitas jogadas, enquanto o trunfo existir e o seu titular o mantiver em vigor e participarem outros adversários no jogo. 

Por outro lado, ainda no início do jogo, na obtenção dos trunfos, os prazos são também variáveis, dependendo do género de direito pretendido e de país para país. Alguns podem ser obtidos quase de imediato, outros, que podemos considerar normalmente os mais relevantes para um jogador (Patente e Marca) podem chegar a demorar anos, seja em Portugal, seja noutros países como nos EUA ou na Alemanha.

Com efeito, este jogo também pode ser jogado em simultâneo em vários países, como que em “tabuleiros” diferentes, mas que podem ser interligados.    

Assim, o jogador tem vários possíveis tabuleiros, desde tabuleiros nacionais (por país), que coexistem com outros tabuleiros, por exemplo, da União Europeia e ainda com um tabuleiro internacional “especial”. A este último apelidamo-lo “especial” porque tem como função fazer a “ponte” entre os outros tabuleiros já existentes, permitindo ao jogador jogar nesses tabuleiros.   

O jogador para obter aqueles trunfos, em cada tabuleiro, terá que cumprir algumas regras específicas aplicáveis em cada um deles e adoptar, muitas vezes, procedimentos com formalismos diferentes.

Existem algumas regras idênticas na grande maioria dos tabuleiros onde jogará, mas também práticas e regras diferentes em cada tabuleiro. Terá que saber lidar com a entidade competente, em cada tabuleiro, para conceder o trunfo solicitado.

No jogo da Propriedade Intelectual podem ainda sempre surgir imprevistos e riscos – certezas só no fim – sendo que o jogador deverá ter soluções e estratégias, muitas vezes, específicas de tabuleiro para tabuleiro.

Um desses riscos está directamente relacionado com o facto da obtenção de alguns desses trunfos – como acima já se observou - poder demorar algum tempo, qualquer que seja o tabuleiro em que se desenrola a jogada. Mas o jogo não pode parar e o jogador terá de continuar a jogar, mesmo sem ter aqueles trunfos, que, não lhe estão garantidos à partida.

A maioria dos jogadores, com experiência nesta área, sabe de antemão que há sempre o risco de não conseguirem obter o trunfo, mas a partir do momento em que o pedem, ficam pelo menos com uma salvaguarda: a chamada “prioridade” que impede que os adversários passem à sua frente.   

Por isso, é decisiva a uma boa preparação prévia, com cuidado e experiência técnicas, porque, depois de pedido o trunfo, os erros podem custar caro e serem irreparáveis.   

Nesta fase, um jogador sabe que nunca deve mostrar o jogo ou deixar que os adversários o consigam ver. No caso da obtenção de Patente, aplica-se esta regra. Antes de solicitar-se o respectivo ®, não se faz qualquer divulgação.

Depois de obtidos os trunfos adequados, há que os jogar bem. O jogador com alguma experiência, sabe que, ter trunfos não basta para se ter assegurada a vitória final no jogo, é preciso escolher o momento em que se deve jogar cada trunfo, adoptando-se a melhor estratégia em face das circunstâncias e das jogadas dos adversários.

E os adversários podem ir mudando, pois a entrada e saída destes é diária, na medida em que começam a jogar ou deixam de jogar no tabuleiro em questão. Há uma dinâmica muito grande à volta deste jogo e isso percebe-se claramente no número de pedidos de ® que em muitos tabuleiros têm aumentado.

Só em Portugal, segundo os números mais recentes[2], em 2017, foram registadas 18.700 novas marcas. Em termos de solicitações, em média, por mês, no ano de 2107, entraram cerca de 1.900 pedidos, tendo uns sido concedidos, outros recusados e outros ainda estando pendentes.

A este propósito refira-se que nestes processos de obtenção, os adversários com trunfos anteriores, podem intervir e fazerem as suas jogadas, reclamando, pedindo a prorrogação de prazos, etc.

E também nesta fase, o jogador que solicita o trunfo terá que defender os seus interesses e jogar o melhor possível, fazendo valer os seus argumentos e, muitas vezes, com o apoio de conselheiros técnicos experimentados.

No caso de ter sucesso na obtenção do trunfo, enfim, de ter o ® deve-se considerar que este jogo já terminou?

Não, bem pelo contrário. A partir daqui é que começa, muitas vezes, o verdadeiro jogo da Propriedade Intelectual, relacionando-se com o jogo do Mercado.

Como acima já se mencionou, estes trunfos duram muitos anos, uns mais outros menos. Ao longo deste tempo, qualquer jogador sabe que não pode ficar a ver os adversários a jogar. Perde o jogo e é obrigado a sair. Tem, sim, de participar no jogo do Mercado, associando-o ao jogo da Propriedade Intelectual, fazendo valer os seus trunfos.

Usar uma Marca ® tem as suas regras próprias. A falta de uso sério desta pode levar o jogador a perdê-la.

O Design ® (Desenhos ou Modelos) do produto permite ao jogador ser o único a fabricar e comercializar o produto com aquele Design no jogo do Mercado. Mas, caso outros adversários apresentem um produto com Design igual ou semelhante, o jogador tem de reagir e defender o seu trunfo.

É, pois, importante recordar o que antes foi dito: um trunfo ® concede o direito de exclusivo, que é importante. No entanto, há que saber jogá-lo bem e concretizar as suas potencialidades.

No jogo, como se disse acima, podem existir várias estratégias, uma delas tem o Franchising como base, constituindo uma forma do jogador explorar economicamente o seu trunfo, jogando conjuntamente com parceiros e obtendo mais-valias com as licenças que atribui a esses parceiros. Partilha-se o trunfo em troca de compensações, os chamados “royalties”.

Esta solução estratégica, como muitas outras, pode ir sofrendo as suas alterações, à medida que o jogo vai avançando e o jogador é confrontado com as jogadas dos adversários.

E quando termina o jogo da Propriedade Intelectual?

É um jogo cujo fim depende de cada jogador.

Temos jogadores cujos trunfos estão em vigor há muitas décadas – vj. por exemplo Marcas ® centenárias que ainda hoje estão no jogo do Mercado – e cujos resultados tem variado de ano para ano mas, apesar de tudo, têm conseguido ultrapassar as dificuldades.

Tal como temos jogadores que entraram no jogo do Mercado com uns trunfos dados pelo jogo da Propriedade intelectual e, algum tempo depois, mudaram os seus trunfos e mudaram as suas estratégias.

Mas existem ainda outros jogadores que, no final de algum tempo, optaram, por motivos estratégicos, por sair do(s) tabuleiro(s) onde jogavam, dando lugar a outros que, por força das regras do jogo do Mercado, tendem a ocupar os espaços deixados pelos que saíram.

Este jogo da Propriedade Intelectual, em interacção com o jogo do Mercado, constituem autênticos desafios para os jogadores, tendo grandes potencialidades, mas também tendo os seus riscos, se não forem bem jogados. Tudo dependerá das capacidades e estratégias de cada um.

Em jeito de conclusão, julgamos que, desta forma pouco técnica e resumida, é mais facilmente perceptível a grande proximidade e semelhança entre a Propriedade Intelectual (e o Mercado) e aqueles jogos lúdicos em que participamos, por vezes, na nossa recreação.

A diferença está no facto dos jogos da Propriedade Intelectual e do Mercado serem bastante reais e competitivos, tendo repercussões directas no nosso dia-a-dia, tanto como consumidores, como outros agentes económicos, todos intervenientes no jogo do Mercado.                   

 

[1] Salienta-se que, em matéria de serviços, as características sobre as quais podem incidir os direitos de exclusivo são bem mais limitadas. Basicamente, será possível proteger-se a identificação do serviço e o seu aspecto em termos de Design. Caso a caso, poderão existir outras possibilidades, mas terá de haver sempre uma análise técnica prévia.

[2] Fonte: INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial

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