Chegar a Silicon Valley é o sonho de qualquer empreendedor. Este vale é uma fonte de inspiração pelas suas histórias e pelos protagonistas famosos. Estarrece audiências através das histórias contadas em filmes e séries que retratam o dia-a-dia dos maiores génios do empreendedorismo.
Silicon Valley povo o imaginário de muitos empreendedores, não só pela possibilidade de encontrar financiamento para um projeto inovador, mas também para quem procura um emprego e privilegia o intraempreendedorismo.
Testemunhos de empreendedores relatam que trabalhar numa empresa de Silicon Valley requer uma mente aberta à disrupção, onde a partilha de ideias é fundamental. O ambiente é extremamente competitivo, a liberdade para falhar é enorme e o esforço individual é recompensado.
As leis laborais são mais flexíveis, não existem horários, trabalha-se a qualquer hora do dia e o tempo de férias é de 15 dias anuais.
Por muito inspirador que seja este modelo de cultura, é possível a sua reprodução na prática nas start up portuguesas?
Para responder a esta pergunta é importante conhecer o conceito de cultura organizacional e o modo de usar a cultura na gestão estratégica de uma organização.
Não existe uma definição de cultura organizacional, existem múltiplas. O conceito de cultura organizacional não é limitado e muitas vezes sobrepõe-se aos conceitos de identidade organizacional e clima organizacional.
As organizações são redes de significados, símbolos, imagens e histórias que mantêm vivas as memórias sobre o seu fundador e de todos os que ajudaram a construir a seu projeto.
São estes elementos que permitem à organização construir a sua autoimagem e ajudam a consolidar a sua cultura.
Fatores ambientais como o meio envolvente, ordenamento sociopolítico e estrutura normativa da organização são fundamentais para a concretização dos objetivos organizacionais e têm influência na sua cultura.
A cultura resulta da combinação de vários fatores: valores e crenças, normas de comportamento, politicas escritas, motivações, sistemas e processos formais e informais e as redes.
De uma forma simples, pode dizer-se que a cultura está relacionada com a identidade de uma organização. Ela encontra-se em tudo o que a organização criou para funcionar e assegurar a sua sobrevivência.
As principais funções da cultura são favorecer a adaptação da organização ao seu meio envolvente, manter a coesão entre os seus membros e envolvimento destes em torno do projeto da organização.
A cultura é a base do projeto da organização que é necessária para o cumprimento da sua missão.
Estrategicamente, é na declaração de intenções que a organização define o que é e o que quer vir a ser. É o compromisso da organização em relação ao seu futuro e move-a para executar a gestão adequada para conseguir os seus intentos.
A aplicação desta estratégia inicia-se na definição de missão, visão e valores. Estas formam a declaração de intenções que serve de guia para orientar o comportamento coletivo e individual da organização, tanto ao nível interno como externo.
Reforça-se que esta declaração tem um carácter estratégico, não é um poema bonito que serve para embelezar páginas da internet ou um hall de entrada. De nada serve, se não for operacionalizada.
Quando uma organização define a sua declaração de intenções tem como suporte toda uma estrutura montada que lhe permite colocá-la em ação: a comunicação, os processos, normas, valores, crenças etc.
A comunicação interna tem um papel muito importante na reafirmação da identidade corporativa.
É através da comunicação interna que a organização coordena um conjunto de ações que lhe permitem ouvir, informar, mobilizar, educar e manter coesão interna em torno de valores que precisam ser reconhecidos e partilhados.
Quando a comunicação interna consegue atingir a comunicação externa através do seu estilo corporativo, explícito nos traços culturais, gera mecanismos de identificação. É este o modo de atuar das empresas de Silicon Valley.
A cultura organizacional em Silicon Valley é muito própria e caracteriza-se por uma grande abertura ao meio envolvente. Os estudos revelam que quanto maior for a abertura ao meio envolvente mais influências a organização recebe, criando um ambiente favorável à mudança e consequente inovação.
É comum as start up portuguesas identificarem-se e assimilarem as ideologias da cultura organizacional de Silicon Valley, porque representam um exemplo de sucesso e de boas práticas a seguir. Mas, a cultura de Silicon Valley é única. Ela representa um conjunto de projetos idealizados e cada organização tem implícitos os traços da personalidade do seu criador e eventuais evoluções.
O modo como as empresas de Silicon Valley se adaptam às contingências externas e internas em determinadas situação é uma forma de ideologia. O que se verifica na prática é que as start up portuguesas pretendem arrancar com um modelo ideológico de Silicon Valley, sem ter em conta as contingências portuguesas.
Sendo a cultura o resultado de tudo o que a organização criou para funcionar, também em Silicon Valley existe uma estratégia pensada e trabalhada para gerar resultados, adequando-se à realidade da cada organização.
Se retirarmos as variáveis inerentes à envolvente e a identidade corporativa, que poderão ter influências distintas em cada país, é possível a reprodução das filosofias e metodologias de trabalho.
Ainda assim, as metodologias e filosofias de trabalho a reproduzir, poderão não se adequar à realidade da organização. Em muitos casos, introduzir uma metodologia nova exige uma mudança de comportamentos para a qual a organização não está preparada. O mesmo se aplica com as filosofias de trabalho, que exigem um ambiente aberto e propício.
Aqui, levantam-se outras questões acerca dos modelos a reproduzir: “esta cultura adequa-se à realidade da minha organização?” ou “a minha organização está preparada para assimilar este tipo de cultura?”.
Na fase de nascimento de uma organização, a liderança tem um papel fundamental de trazer valores que sejam partilhados por todos os seus membros e criar uma rede cultural que dê sentido à gestão, apostando em cerimónias e rituais.
É fácil e parece o ideal a reprodução dos modelos de cultura de Silicon Valley, mas o risco de incompatibilidade é muito grande. Não basta ser visionário, também é preciso ter visão.
Maurice Thévenet afirma que “na abordagem cultural não há modelos a imitar mas coerência a preservar”.