1 de Maio de 2022






ANDRÉ PINHEIRO

Direção de Qualidade


O valor da experiência


Creio que já todos devemos conhecer aquela história que se conta há dezenas de anos (confesso que não consegui encontrar a origem), do industrial que vê as máquinas paradas, chama um técnico que ao aparecer e analisar o equipamento parado, se limita a dar meia volta num parafuso e tudo volta a trabalhar normalmente, apresentando como fatura do serviço prestado um valor exorbitante, suponhamos 10.000€.



O industrial, apesar de aliviado por ver as máquinas a trabalhar, reclama da fatura e pede para o técnico a explicar, ao que este responde: “É 1€ para o aperto do parafuso, e 9.999€ para saber qual o parafuso a apertar”.

Esta história enquadra-se muito bem na lógica de que a experiência proporciona vantagens difíceis de ultrapassar. O know-how que se acumula ao longo de anos a trabalhar com processos, pessoas ou equipamentos pode ser muito mais valioso do que um curso, por mais específico que seja. Isto leva-me a pensar no valor dos mais velhos, que tantas vezes é desconsiderado em prol de jovens mais qualificados, e não raras vezes mais baratos. Mas todos sabemos que o barato pode sair muito caro.

Atenção: não quero dizer que não há jovens com imenso valor! Mas gosto de pensar que há muito a ganhar com a experiência, que nos permite olhar para os processos com outro conhecimento, e não é raro os operadores que estão todos os dias numa linha de produção serem os primeiros a sugerir melhorias de eficiência dos processos.

Em 2019, um estudo indicava que a idade média dos laureados com o prémio Nobel rondava os 70 anos (71 para os laureados em Química e 68 para os laureados em Física, Matemática ou Medicina).


Outros exemplos: John Pemberton tinha 55 anos quando, em 1886, inventou a receita da Coca-Cola. O escritor George R. R. Martin tinha 43 anos quando publicou o 1º volume da série de livros que daria origem à saga da Guerra dos Tronos. A mesma idade tinha Arthur Fry quando, juntamente com outro colega, inventou os post-its em 1974. Já Henry Ford tinha 45 anos quando criou o Model T, o tal que podia ser em qualquer cor, desde que fosse preto. 

O Coronel Sanders estava também nos 40 quando começou a preparar e vender frango frito com uma receita típica do Kentucky, vendendo depois a empresa uns anos mais tarde, quando esta já tinha algum sucesso. Tinha nessa altura 74 anos. Outro restaurante de fast-food, a McDonalds, já existia quando Ray Kroc ficou fascinado com esse conceito e decidiu comprá-lo para o fazer crescer.

 Estávamos em 1954 e Ray Kroc tinha 52 anos. E para regressar aos livros, tanto Bram Stocker como Miguel de Cervantes estavam já mais próximo dos 60 do que dos 50 anos, quando escreveram Drácula e D. Quixote, respetivamente.

É muito habitual vermos programas de captação, receção e integração de novos talentos, sendo normal ver no Linkedin fotos de “pacotes” de economato oferecidos no 1º dia de emprego a um/a jovem cheio/a de vontade, quiçá até personalizado e com uns bolinhos a acompanhar.




Sim, a ideia de ter tudo preparado para receber e integrar quem entra de novo é sem dúvida positiva e demostra a capacidade de organização da empresa (em oposição a dizerem-nos no 1º dia: “vais ter computador mas ainda não o encomendamos”, ou “vai ter com a/o senhor/a XYZ e diz-lhe que entraste hoje e precisas de uma bata e equipamento de proteção”). E também não é raro as empresas terem programas de formação interna, com a definição de umas horas passadas com cada responsável dos diferentes departamentos. Isso, sem dúvida, ajuda a que quem entra possa ficar com uma noção básica do que se passa na empresa, e de quem é quem. Aliás, este é um ponto habitualmente analisado nas auditorias de qualidade, pois mostra como a empresa gere as competências das suas pessoas.

Mas quantas empresas dão o passo seguinte, no sentido de apoiar a passagem de informação das gerações mais velhas às mais novas? Quantas designam, por exemplo, uma figura de mentoria interna para que essa integração e passagem de conhecimento se faça com maior acompanhamento e eficiência? Quantas empresas analisam o seu quadro de RH e decidem que as pessoas-chave se irão reformar dentro de X anos e avançam para a contratação de pessoas mais jovens (ou a alocação de outros elementos) que possam aprender com eles, para que o conhecimento não se perca quando chega a altura de sair?




É claro que neste último caso, estaremos a criar alguma redundância nos recursos, ou seja, teoricamente durante algum tempo teríamos mais pessoas do que as estritamente necessárias, e isso pode fazer confusão a muitos gestores e empresários…

...Mas a mim também me faz confusão ver casos em que se torna necessário contratar pessoas reformadas como “consultores”, depois de perceber que mais ninguém sabe qual o parafuso a apertar!




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