ANDRÉ PINHEIRO
Direção de Qualidade
O Circo de Feras
Há algum tempo fui realizar uma auditoria de qualidade a uma empresa. Coisa relativamente simples, numa empresa pequena, sendo que necessitavam de alguém para concluir a auditoria interna com alguma urgência.
Normalmente, e mesmo com toda a preparação prévia, qualquer auditoria de Qualidade começa por uma conversa com a gestão, para percebermos qual o percurso da empresa, como a gestão de topo define o posicionamento da empresa no mercado, qual a estratégia geral para empresa e os seus objetivos, e como estes se traduzem não apenas nas atividades relacionadas com a Qualidade do produto ou serviço mas nos processos produtivos em geral.
Esta conversa inicial, para além de ajudar a quebrar o gelo dá-nos também uma boa indicação daquilo que vamos encontrar não só a nível de processos mas também das diferentes pessoas que durante o dia nos irão surgir à frente.
Nesta auditoria em particular, o administrador, que claramente ficou surpreso quando o auditor pediu que este viesse à reunião, revelou que, na sua ótica, as auditorias de qualidade são “uma palhaçada” que apenas serve para encher os bolsos de alguns personagens.
A minha vontade, naquele momento, foi de me levantar, responder qualquer coisa do género “não me revejo como palhaço, pelo que vou procurar outro circo” e sair porta fora. Mas não o fiz.
Não o fiz por respeito às outras pessoas que entretanto (enquanto esperava pelo administrador) tinha já conhecido, e que claramente estavam ali para tentar ajudar. E por quem me tinha pedido ajuda para ir realizar a auditoria, não gosto de falhar em compromissos assumidos.
Optei então por tentar aquele “jogo” de dar alguma razão à pessoa, enquanto vamos dando argumentos que de alguma forma desconstroem os seus argumentos, ou em bom português, “dar trela”. É verdade que as auditorias são obrigatórias para a obtenção de um certificado de qualidade, mas se este é exigido pelos clientes, é porque vêm nele uma indicação se a empresa está bem ou mal preparada para enfrentar os desafios. Se há empresas que fazem tudo bem nos dias anteriores a uma auditoria, e tudo mal no resto do ano, também é verdade, mas isto não é muito difícil de “apanhar” numa auditoria.
No caso desta auditoria, e já durante uma primeira visita aos processos, ao questionar por reclamações de clientes responderam-me que “não há”, o que ao estilo de um reflexo de Pavlov faz disparar todos os alarmes de qualquer auditor.
Como nesta altura já estava acompanhado apenas pelas pessoas da produção e qualidade, e ainda por cima o responsável de qualidade era alguém com pouquíssima experiência no cargo, optei pela atitude mais pedagógica, e em tom de brincadeira questionei se saía sempre tudo bem à primeira. Lá me foram explicando que cada produto era feito por encomenda, à medida do que o cliente tinha pedido, e que por isso o produto final não podia ter reclamações porque era sempre exatamente o que o cliente tinha encomendado. Questionei então se os clientes nunca mudavam de opinião a meio do processo, se não havia “já agoras” que levassem a alteração de funções e características do produto, alterações ao conceito inicial, mesmo após a entrega do produto. “Ah sim, isso há, claro, faz parte”.
“Ok, então vamos lá ver como reagem a essas alterações…”. E a auditoria decorreu normalmente a