30 de Abril de 2025


ANA ISABEL LUCAS

Formadora e Consultora


Organizações sustentáveis para construir vidas mais estáveis: a conceção ecológica




Se alguém dissesse que há um risco de catástrofe significativo devido às alterações climáticas e que este risco não se limita a um evento catastrófico isolado, mas a uma combinação de impactos que podem levar a crises profundas, não só ambientais, mas também económicas e sociais, em catadupa destruindo a estabilidade global. “Provavelmente”, diria um cético cínico. Mas o cenário é bem real.

Ondas de calor extremas, tempestades cada vez mais violentas, inundações e secas prolongadas facilmente podem atingir um ponto em que se tornam catastróficas. Estes eventos já acontecem frequentemente e têm-se intensificado!

Muito se tem feito para travar os efeitos nefastos destes eventos, avanços em energias renováveis, tecnologias verdes e políticas de sustentabilidade, mas não são suficientes. É necessário acelerar a ação para evitar os piores cenários.

A sustentabilidade e os seus derivados não são uma moda nem um must have no currículo das empresas.

É urgente agir! É urgente direcionar o mind set - atitudes, comportamentos e ações – para a verdadeira e real sustentabilidade.

A sustentabilidade não pode ser para “inglês ver”: não pode parecer, tem de ser!

Alinhada com esta constatação, a UE publicou no dia 28 de junho de 2024 no JOUE o Regulamento Europeu de Conceção Ecológica – 2024/1781/UE – que visa aumentar a sustentabilidade dos produtos ao longo do seu ciclo de vida.

O consumo de produtos é uma das maiores causas das alterações climáticas e da poluição. Na impossibilidade de travar as compras doentias e compulsivas de produtos desnecessários, este regulamento pode ter um impacto positivo para travar os efeitos nefastos no ambiente, na medida em que obriga as empresas a repensar o processo de conceção dos produtos e a adotar ações sustentáveis ao longo do ciclo de vida.

De acordo com o regulamento, um produto sustentável tem de apresentar uma ou mais das seguintes características:

  • Usar menos energia;

  • Durar mais;

  • Ser fácil a reparação;

  • As partes devem ser facilmente separadas e utilizadas para outras finalidades;

  • Conter menos substâncias perigosas;

  • Ser de fácil reciclagem;

  • Conter mais elementos reciclados;

  • Apresentar uma pegada de carbono e ambiental mais baixa ao longo do seu tempo de vida útil.

Estas características vão obrigar as empresas não só a mudanças nos produtos como no próprio modelo de negócio.

É a Comissão Europeia que define os requisitos de conceção que serão exigidos aos produtores, bem como o prazo na implementação dos mesmos.

Os requisitos são de carácter de desempenho, de informação ou ambos. Os requisitos de informação trazem uma novidade – o passaporte digital do produto que vai permitir aos agentes a operar na cadeia de valor o acesso a informação sobre o produto.

A acrescentar que vão ser criadas restrições para prevenir a destruição de bens não vendidos, em especial produtos que não foram postos à venda ou tenham sido devolvidos pelos consumidores.

Para quem pensa que existem apenas obrigações para os fabricantes, desengane-se, porque serão também envolvidos e chamados à ação os importadores, distribuidores, prestadores de serviços de reparação e manutenção e os operadores de sistemas de reutilização e reciclagem.

Em tempos idos em que não se reciclava, consumir pressupunha estender a utilidade de um produto – voltamos à “velha guarda” com a visão virada para pensar na aquisição para a durabilidade e enterrar de vez a obsolescência programada.

Em relação ao plano de ação da Comissão Europeia, esta pretende atualizar regularmente os planos de trabalho para garantir que as partes interessadas sejam informadas, bem como estabelecer listas de produtos e medidas de avaliação. O primeiro plano de trabalho entra já em vigor no primeiro semestre de 2025 e cobrirá um período mínimo de 3 anos.

A UE acredita que será dado “um passo significativo para proteger o planeta, promover modelos de negócio mais sustentáveis e fortalecer a competitividade e resiliência gerais da economia na UE”.

É importante salientar que o ecodesign de um produto refere-se à prática de projetar produtos levando em consideração todo o seu ciclo de vida, com o objetivo de minimizar os impactos ambientais. Esta abordagem integra princípios de sustentabilidade no processo de design, desde a seleção de materiais até a fabricação, distribuição, uso e rejeição do produto. O foco está na redução do consumo de recursos naturais, minimizar os resíduos e emissões, e prolongar a vida útil dos produtos.

O ecodesign enquanto metodologia fornece uma base sólida para o desenvolvimento de produtos que vão ao encontro das necessidades dos clientes, mas que contribuem também para um futuro sustentável.

Análise de Ciclo de Vida (ACV), Design for Disassembly (DfD), Lean Manufacturing com Foco na Sustentabilidade, Cradle to Cradle (C2C) e Biomimética são algumas das metodologias já utilizadas pela indústria automóvel, eletrónica, moda e têxtil, entre outras.

A aplicação destas metodologias depende de um contexto e dos objetivos do projeto e podem ser combinadas. Destaco a Biomimética pelas suas características peculiares – é uma abordagem que se inspira na natureza para desenvolver soluções sustentáveis, cujo objetivo é criar produtos que funcionem de maneira eficiente e sustentável tal como os sistemas naturais.

O novo regulamento é progressista e ambicioso, representa um potencial de impacto positivo tanto para o ambiente quanto para a economia. Porém, o maior desafio reside na implementação.

Para as empresas, a transição pode ser complexa e exigir investimentos significativos. Para os governos fora da EU pode gerar tensões comerciais. Mas, com a implementação deste regulamento esperam-se mudanças sociais e culturais significativas ao nível do comportamento do consumo, com o foco para os produtos sustentáveis.

E como combater a “junkieomania” que promove os estilos de vida baseados na acumulação, consumo, status, luxo e competição? Efetuar mudanças desta envergadura pressupõe que a sociedade se alinhe neste propósito. O “bicho” da consciencialização já lá está! É espectável que a regulamentação faça o resto.

A julgar pelo conteúdo do regulamento, as empresas são as principais protagonistas da mudança –




mudam as empresas, mudam-se as vontades e o mundo muda.

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