Resistências comuns à implementação de práticas inovadoras de gestão de pessoas (e como as contornar).

Novas ideias sobre a gestão de pessoas vão surgindo quase diariamente e muitas delas são disruptivas o suficiente para gerar espanto, admiração e… resistências.

Pedro Ferreira
1 de Maio de 2019

A resistência a novas ideias tem uma característica interessante que é simultaneamente a sua maior fraqueza, e a sua maior força: as resistências baseiam-se em crenças e não em factos.

É a sua maior fraqueza porque uma boa preparação e argumentação baseada em factos pode ajudar a “desmontar” a resistência.

É também a sua maior força porque uma crença alimenta-se a si própria. A realidade é ajustada à crença e não o oposto. Deste modo, cria-se uma sensação de reforço e fortalecimento da crença, porque a realidade está a confirmar aquilo que já se tinha (pré-) assumido.

As resistências podem assumir diversas formas. Ao longo dos anos tenho contactado com  pessoas de diferentes contextos profissionais, o que me serviu de base para esta catalogação. Não é científica nem exaustiva, mas é ilustrativa. Acho particularmente interessante as resistências que começam pela expressão “Sim, mas…"

“Sim, mas isso é coisa de empresa grande”

A crença de que as práticas inovadoras de gestão de pessoas são “coisa” de empresa grande, preferencialmente multinacional, é um argumento arrebatador. Mais ainda se se trabalha numa PME. Como convencer as chefias de que se pode ter práticas de gestão de pessoas interessantes, mesmo sendo uma PME? Aparentemente, trata-se de um facto incontornável:  ser pequeno ou ser grande é uma daquelas verdades inabaláveis.

Entre as 25 primeiras empresas do ranking Great Places to Work de 2019, apenas 8 eram grandes empresas. Ou seja, a esmagadora maioria das empresas auditadas e listadas nesta iniciativa são pequenas ou médias.

“Sim, mas é preciso muito dinheiro"

Mais uma vez, um argumento, aparentemente, incontornável. Recursos financeiros é coisa que raramente abunda e, por isso, ter práticas de gestão de pessoas inovadoras só está ao alcance de empresas com resultados financeiros muito bons. Como têm dinheiro, podem pensar em investir mais (e melhor) na gestão de pessoas. Este argumento coloca as práticas de gestão de pessoas como consequência (efeito) dos resultados financeiros, quando na realidade, é exactamente ao contrário: é o investimento na gestão de pessoas que pode conduzir a melhores resultados.

Ter resultados para investir na gestão de pessoas ou investir nas pessoas para obter resultados? Soa um pouco à história do ovo e da galinha… Por isso, a não ser que possa ter uma discussão mais profunda, não vale a pena argumentar sobre o que é que surgiu primeiro, os resultados ou as práticas inovadoras de gestão de pessoas.

Antes, é mais produtivo seguir um outro caminho: se essas empresas só apostaram em práticas inovadoras porque tinham dinheiro, porque é que continuam, sistematicamente, a apresentar resultados extraordinários? Se essas práticas são assim tão dispendiosas, e sem impacto nos resultados, essas mesmas empresas estariam falidas em poucos anos.

Além disso, não é preciso ter prémios e recompensas chorudas para se implementar boas práticas de gestão de pessoas. Aliás, muitas das iniciativas requerem mais criatividade e imaginação do que propriamente dinheiro. 

“Sim, mas isso só se faz lá fora. A nossa realidade é muito diferente”

Até pode ser. A realidade portuguesa é de facto muito diferente da realidade de outros países. A cultura, a economia, o ambiente social… são factores suficientes para dar suporte (aparente) a este argumento. Contudo, existem inúmeros exemplos de empresas com abordagens disruptivas e com resultados para apresentar como exemplo. Não é por acaso que o número de empresas que se candidata aos prémios de “melhores empresas para se trabalhar” não pára de aumentar.

“Sim, mas isso é coisa de empresa tecnológica”

Neste caso, o argumento tem até alguma razão de ser. De facto, as empresas que mais se têm notabilizado na implementação de ideias disruptivas na gestão de pessoas são as empresas de TI. Não que sejam as únicas, mas são sem dúvida as mais visíveis e mediáticas e em alguns aspectos com abordagens mais arrojadas. Existe uma explicação para isso, que reside sobretudo na velocidade do sector, na concorrência feroz e na escassez de competências estratégicas no mercado de trabalho. Mas o principal motivo é que estas empresas têm a noção de que só através de pessoas é possível acrescentar valor. E este princípio não é exclusivo das tecnológicas.

Contudo, a crença de que só nas tecnológicas é que funciona está longe de ser comprovado pelos factos. Sabe quem é a melhor empresa para trabalhar em Portugal (de acordo com o último ranking do The Best Places to Work)? Chama-se Mars (Mars Ibéria e Royal Canin), empresa de comércio e distribuição de produtos alimentares humanos e animaisNeste mesmo ranking, entre as 25 melhores, estão 18 que não são tecnológicas.

Por tudo isto, e apesar de a expressão popular “contra factos não há argumentos”, talvez se possa dizer que "contra factos, só mesmo as crenças”.

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