Comandante, marinheiro ou cabo-raso?

Dia 23 de Abril de 2014. Reunião às 13:00h no Shinagawa Intercity Tower C, 2-15-3, Konan, Minato-ku, Tokyo.

Rui Pedro Oliveira
5 de Outubro de 2018

Estava perdido no meio de uma praça em que o sol sorridente no país do sol nascente não se fazia notar devido ao aglomerado torres com inúmeras portas, pontes elevadas, elevadores e milhares e milhares de japoneses a correrem de um lado para o outro, a entrarem e saírem do metro, estilo cardumes ou aves em bando extremamente organizados e despachados, mas ao mesmo tempo um silêncio atroz. Nem um salto alto de uma executiva a bater no chão, nem sequer o carro se atreve a tocar no instrumento mais usado em Portugal que é a buzina.

No meio daquele turbilhão todo, uma pilha de papeis que estava na minha mão caiu ao chão espalhando-se por todo o lado. Todos os que se movimentavam num raio de 5 metros (e eram muitos) a mais de 8 km/h de passada, pararam. Os de gravata, as dos saltos altos, os de pasta na mão, os turistas locais. Todos apanharam os papeis que eu trazia, entregaram-me em mão, saudaram-me com uma vénia à qual repliquei e lá continuaram a sua passada estilo marcha. Os papeis não me foram entregues pela ordem que eu trazia, mas julgo que se solicitasse, o tinham feito…

Continuei perdido, um senhor ofereceu-me ajuda pois ia para um dos pisos daquela torre e às 12:55h lá estava na receção à espera de entrar. Sabia que em 5 minutos seria chamado, até porque um mês antes quando tinha ido a Tokyo pela primeira vez em trabalho, tinha assistido a uma reunião com a presença de um alto dirigente do governo português, a chegar atrasado 20 minutos a uma reunião que ia durar uma hora, e a reunião terminou passados 40 minutos.

Às 13:00h lá estava eu sozinho junto a 5 executivos de topo dos diversos departamentos da organização, numa reunião que duraria uma hora exata e prometeram dar-me uma resposta em 24 horas. Assim o fizeram. A resposta era um “NÃO” e assim ficou fechado aquele negócio.

Pontualidade. Solidariedade. Respeito. 3 valores que não abundam no nosso país.

Pontualidade. Quantas vezes se marca uma reunião e tem que se ficar à espera (eu pessoalmente não espero mais do que achar razoável e muito menos se não tiver alguma explicação para o atraso). Escrevo no Porto, se passar na A28 perto da hora de almoço e vir um avião da Lufthansa já no ar, tenho a certeza de que são 12:30h. O LH1177 partiu às 12:25h como sempre. Reúne-se muito e a maioria das vezes para se sair da reunião com uma mão vazia e outra cheia de nada em soluções. Há uns tempos, quando sabia que as reuniões eram para “enrolar” arranjei uma mesa alta, tipo balcão de bar e reunia com essas pessoas de pé. Eram tão rápidas essas reuniões… A pontualidade a meu ver está claramente indexada aos países de primeiro mundo e onde a taxa de desenvolvimento, seja económico ou social tem claramente mais sucesso.

Solidariedade. Quantos de nós damos por vezes a ajudar alguém na rua? Uma pessoa perdida, uma pessoa doente, parar para apanhar uma garrafa de plástico e colocar no lixo. Elogiar em público, reprimir ou criticar em privado. Dizer por vezes a palavra amiga que alguém tem que ouvir em determinada circunstância da sua vida. Colocarmo-nos com frequência do outro lado. Ouvirmos os dois lados das barricadas. Um tão número de situações que nos levaria ao meu princípio basilar para tudo isto. Justiça. Quem tiver uma boa justiça mental, tem uma boa solidariedade social, e daí advém todos os outros atributos. Aquelas largas de dezenas de pessoas tinham muito para fazer, mas pararam. Nós também temos sempre muito para fazer, mas por vezes não separamos o urgente do importante, e por vezes nem reparamos que um tempo para nós também é muito importante antes de se tornar urgente. Até connosco temos que ser solidários.

Respeito. Respeito é “PALAVRA!” O respeito exige verdade, exige coragem, exige em olhar olhos nos olhos para dizer um sim ou um não. Parece por vezes que são os investidores que têm mais medo de dizer sim ou não, do que o empreendedor tem em ouvir a sua decisão.
Recordo o “NÃO” acima descrito no Japão. Ficou ali fechado aquele acordo, mas as portas abertas.
Em Portugal tem pouco significado qualquer atitude semelhante a esta. Há poucos com coragem para não irem sempre além de um “NIM”. Há poucos que respondem a chamadas, mensagens ou emails quando não sabem / podem / querem dizer “NÃO”. Talvez porque julgam que já o disseram com o seu silêncio, mas esse silêncio só alimenta as expectativas, que frusta qualquer empreendedor durante meses e põe em risco todos os planos traçados, pois há pessoas que para elas o tempo é efémero, mas há máquinas estatais que não olham para timings.

Pior ainda quando não estás a falar com incautos endinheirados ou bem relacionados, estou-me a referir quando quem está a este nível são estimados cidadãos respeitáveis, em que a sua douta palavra seria intocável e a sua determinação admirável.

Desiludam-se, pois a seguinte sondagem tem por base uma amostragem de cerca de 1500 pessoas, todas contactadas pessoalmente. Em Portugal, 1 em 10 dizem sim ou não. 1 em 70 cumprem o que afirmam. 1 em 90 são altruístas. 1 em 500 têm palavra, são generosos e altruístas (sim, conheci 3). O resto, são feitios e forma de ser que temos que aceitar como são, e isso é que faz a diversidade da população portuguesa.

Como diria Fernando Pessoa: “Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso, de altruísmo. Não há perigo desse excesso.”

Artigo em formato PDF

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