ANTÓNIO NOGUEIRA DA COSTA
CEO da efconsulting | docente e membro do N2i do IPMaia
Cultivar Conhecimentos: uma ação eterna e inerente aos humanos
Considero a simplicidade como uma via de se despertar a atenção para um determinado elemento.
Conquistado esse recurso raro do ser humano, pode-se partir para uma exploração mais intensiva por múltiplos caminhos de interesse.
Aplicando esta metodologia de abordagem ao tema genérico deste número da Start & Go, considero a “cultura” como uma via de cultivar conhecimentos e inerente ao ser humano. Esta generalização pode ser de imediato secundada por uma definição genérica formulada por Edward B. Tylor (antropólogo britânico 1832-1917) como "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade"(1) .
Num contexto de globalização, digitalização de informação com múltiplas fontes (texto, fotografia, som, vídeo, etc.) e infindável metainformação, parece que a tendência da cultura é remeter-se para o mundo digital e deixar que cada indivíduo encontre e cultive as suas hortas de conhecimento na nuvem (cloud).
A partir da segunda metade do séc. XX, com crescimento exponencial nas duas primeiras décadas deste século, os negócios emergentes e as infindáveis start-ups refletem esta imparável tendência. O surgimento de grandes bases de dados de acesso livre e múltiplas ferramentas de processamento e pesquisa facilitam de forma significativa a génese do que apelido de empreendedorismo na base dos bits, concebendo negócios de base digital exclusiva ou de composição digital com negócios de expressão física ou “tradicionais”.
Nos negócios associados ao mundo dos livros, cada “cultivador”, constrói a sua horta e desenvolve uma forma de
cultivo ou desenvolvimento muito própria, tendo presente os seus objetivos.
Para ilustrar esta realidade, nada melhor do que apresentar duas distintas “hortas e cultivadores” sedeados no Porto. São espaços e pessoas irreverentes que acreditam na cultura como paixão e como negócio sustentável, desenvolvendo-os de forma bem distinta e em conjugação com as suas próprias conceções e desejos pessoais.
Livraria Académica
Fundada em 1912, desde o ano seguinte que a Livraria Académica se instalou na Rua dos Mártires da Liberdade, 10. Ao longo dos anos, e em especial pelas mãos de Nuno Canavez, foi-se especializando em livros selecionados e raros. De uma das múltiplas vezes que entrei neste acolhedor espaço, ia com um amigo espanhol que procurava dois temas: mapas ibéricos com mais de dois séculos e edições interessantes de “O Príncipe”.
O Nuno Canavez convidou-nos a vaguear pelo espaço e desapareceu. Passados uns minutos aparece com uns “pouco interessantes” mapas, com origem em folhas destacadas de um livro holandês do séc. XVII (€100) e uma edição rara da solicitada publicação de Nicolau Maquiavel (€3.000) (2). Não tinha recorrido a qualquer computador ou arquivo físico, mas somente à sua memória e ao labiríntico espaço e sistema de arquivo muito próprio. Esta horta e cultivador foram bem caracterizados no livro surpresa organizado por um grupo de amigos, em 2008, “NUNO CANAVEZ– As Palavras da Amizade ” onde se destaca:
• "A experiência adquirida ao longo dos anos, com o manuseamento de milhares de volumes, focando os mais diversificados assuntos; e os contactos com uma ampla clientela, em que se incluíam as mais gradas figuras da intelectualidade portuense (mas não só) ajudaram o Nuno (como carinhosamente é tratado pelos seus amigos) a fazer da Académica um centro irradiador de Cultura”. (nota biográfica).
• “Nuno Canavez é uma instituição. Digo bem. Não é apenas a sua Livraria Académica. É o próprio Homem. O que constitui uma raridade. Significa ideia de obra ou de empreendimento que se impõe ao respeito e à admiração de todos e que perdura no tempo para além da vontade daquele ou daqueles que a geram.” Marcelo Rebelo de Sousa.
• “Nuno Canavez é um guardador de rebanhos; no seu caso, os rebanhos são os pensamentos, as palavras, os desejos, os pesadelos, e as luzes e sombras de que é feita a poeira da memória dos homens.” Manuel António Pina.
Figura 1 - Livraria Académica e Nuno Canavez