ANTÓNIO NOGUEIRA DA COSTA

CEO da efconsulting |  docente e membro do N2i do IPMaia

Ética nas Empresas Familiares®: Prática Viva e Herança Duradoura


Desde os primórdios da filosofia que a ética tem sido alvo de reflexão profunda.




P ensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles questionaram o que significa viver bem e agir corretamente. Durante a Idade Média a ética foi influenciada pela religião, especialmente pelo cristianismo, onde Santo Agostinho e São Tomás de Aquino procuraram conciliar a filosofia grega com os ensinamentos cristãos, defendendo que o bem moral se encontra na vontade de Deus. Mais tarde, Kant propôs uma ética baseada na razão e no dever.

A partir do século XX, surgiram várias correntes éticas, que começou a expandir-se para novas áreas como a bioética, a ética ambiental e a ética empresarial, refletindo as transformações tecnológicas, científicas e sociais do mundo contemporâneo. Nos últimos anos, os desafios da inteligência artificial, das alterações climáticas, das desigualdades globais e as questões de justiça social vêm reforçar a necessidade de se manter a reflexão ética e pensar criticamente sobre as nossas escolhas e responsabilidades individuais e

    coletivas, procurando equilibrar valores como a liberdade, a justiça, o respeito pela vida e a dignidade humana num contexto cada vez mais complexo e interligado.

    As Empresas Familiares® e a Ética

    Em Portugal, as empresas familiares representam uma parte vital do tecido empresarial, sendo responsáveis por uma fatia significativa do emprego e da riqueza nacional. Para além de entidades económicas, estas empresas são frequentemente extensões das famílias fundadoras, pelo que a ética empresarial não se limita ao cumprimento de normas legais ou códigos de conduta corporativa - ela emerge da cultura, dos valores e da história familiar, refletindo-se no modo como são tomadas decisões e gerida a continuidade do negócio (Gallo & Tomaselli, 2006). Nas sociedades familiares, os valores da família fundadora - como a integridade, o respeito ou o sentido de responsabilidade - tendem a enraizar-se na cultura organizacional. Esta herança pode e deve ser transmitida de geração em geração, influenciando práticas de liderança, de gestão de 

    pessoas e de decisões estratégicas.

    Contudo, tal transmissão nem sempre é explícita. Como refere Carlock e Ward (2001), muitas empresas familiares operam com uma ética "implícita", onde os valores vivem nos comportamentos e não estão formalizados. Esta informalidade pode ser uma vantagem em contextos de proximidade, mas também uma vulnerabilidade perante dilemas éticos complexos ou conflitos geracionais.

    Como a distância entre os valores proclamados e os praticados pode minar a credibilidade da empresa e fragilizar a confiança interna, é importante que a família empresária interiorize que a ética, quando enraizada em valores consistentes e coerentes, é um ativo estratégico com impacto direto na reputação, retenção de talento, sustentabilidade do negócio, pelo que a sua formalização e prática pode gerar vantagens comparativas na sua empresa.

    Dilemas Éticos no seio das Sociedades Familiares

    Os negócios familiares enfrentam desafios éticos específicos, fruto da sobreposição entre os papéis 

    Imagem gerada pelo freepik.com


    familiares e empresariais. Um dos mais comuns é o nepotismo. Quando se privilegia a entrada de familiares sem considerar critérios de mérito ou perfil adequado, isso gera conflitos, frustração e perda de motivação entre os colaboradores (Dyer, 2003).

    Outro dilema recorrente é o conflito de interesses. Decisões que favorecem familiares em detrimento da empresa - como remunerações desproporcionadas, uso indevido de recursos ou pressão sobre decisões estratégicas - podem colocar em causa a justiça interna e a confiança dos stakeholders.

    A ausência de separação clara entre património pessoal e empresarial é também uma fonte de risco ético. Em fases iniciais, essa mistura é muitas vezes tolerada; no entanto, à medida que a empresa cresce, a falta de estruturas pode gerar problemas legais, fiscais e reputacionais.

    Por último, uma sucessão mal planeada - quando se escolhe um líder por afinidade emocional e não por preparação e competência - compromete não só o futuro do negócio, mas também a coesão familiar. Como destacam Miller e Le Breton-Miller (2005), os processos sucessórios bem-sucedidos são, quase sempre, os que integram critérios éticos claros e acordados previamente.

    Ética e governança: dois lados da mesma moeda

    A ética, nestas sociedades, deve ser entendida como um forte pilar da longevidade. A construção de uma cultura ética sólida requer a formalização de princípios, como códigos de conduta familiar, protocolos de sucessão ou estruturas de governança partilhada, elementos que devem ser no processo de desenvolvimento do Protocolo Familiar.

    Saliente-se que a governança ética não substitui os valores: dá-lhes forma, consistência e longevidade. Como sintetiza Davis (2008), “a ética numa empresa familiar é tanto uma prática como uma herança.”


    a ética, quando enraizada em valores consistentes e coerentes, é um ativo estratégico com impacto direto na reputação, retenção de talento, sustentabilidade do negócio,...


    Ética e Governança em Empresas Familiares® Portuguesas

    Uma análise comparativa de elementos associados à ética de quatro sociedades familiares portuguesas é apresentada no quadro, sendo que numa frase se poderia sintetizar para cada uma delas:

    Delta Cafés: um caso paradigmático de como transformar valores em estrutura de gestão e impacto social

    Ruy de Lacerda: uma governança ética formalizada com sucessão discreta e eficaz.

    Sogrape: um grupo familiar pode globalizar-se mantendo a ética e a cultura familiar.

    Irmarfer: a partilha da propriedade com fundos de investimento potencia uma ética aplicada liderada por uma gestão profissional.

     

     

     

     

    Elemento

    Delta Cafés (Grupo Nabeiro)

    Ruy de Lacerda & Cª

    Sogrape (Fam. Guedes)

    Irmarfer

    Geração Atual

    2ª e 3ª

    2.ª, 3ª e 4ª

    3ª e 4ª

    2.ª geração

    Fundador/a

    Rui Nabeiro

    Ruy de Lacerda

    Fernando Van Zeller Guedes

    José Ferreira Nunes

    Acionistas

    Só família

    Controlo família e posições de quadros externos

    Só família

    Família (minoritária) e fundos de investimento

    Sucessão Planeada

    Protocolo familiar formalizado

    Protocolo familiar formalizado e transição estruturada

    Integração faseada de herdeiros

    CEO não familiar

    Profissionalização

    Criteriosa entrada de familiares

    Critérios e cargos definidos

    Exigidas formação e experiência externa

    Expansão com estrutura profissional

    Valores Claros e Praticados

    "Um cliente, um amigo" + impacto social local

    Inovação com propósito, ética comercial e conciliação empresa e família

    Sustentabilidade, carta de valores e “o vinho é uma forma de ser e de estar na vida”

    Compromisso com inovação e adaptação às necessidades de cada cliente

    Modelo de Governo formal

    Comissão Executiva + protocolo

    Protocolo, CEO não familiar, Código ESG

    Conselho de Administração e Comissão Executiva

    Conselho de Administração e Comissão Executiva

    Separação Família/Empresa

    Critérios objetivos, cargos não automáticos

    Claramente definida

    Gestão independente de vínculos familiares

    CEO não familiar

    Reconhecimento Externo

    Prémios de cidadania, marca de referência

    PME Líder 2024 + EFR + ESG

    Marca global com prestígio vínico e Carta de Princípios do BCSD Portugal

    Expansão internacional

    Ética na prática

    Responsabilidade social ativa

    Conduta ESG, pagamento pontual

    Código de ética e relatório sustentabilidade

    Gestão com valores familiares ativos


    Nas empresas familiares® a ética é uma força discreta, mas essencial à perenidade e à reputação organizacional, pelo que, quando sustentada por valores coerentes, práticas justas e estruturas sólidas, pode tornar-se uma vantagem competitiva e um elemento-chave na continuidade geracional. Num mundo cada vez mais exigente em termos de integridade e transparência, as famílias empresárias® que colocam a ética no centro das suas decisões estão não só a proteger o seu legado, mas também a construir um futuro mais forte, sustentável e respeitado.


    [ empresas familiares® e famílias empresárias® são marcas registadas detidas pela efconsulting® ]


    Referências bibliográficas 

    Carlock, R. S., & Ward, J. L. (2001). Strategic Planning for the Family Business. Palgrave Macmillan. 

    Davis, J. A. (2008). The Three-Circle Model of the Family Business System. Harvard Business School. 

    Dyer, W. G. (2003). The Family: The Missing Variable in Organizational Research. Entrepreneurship Theory and Practice, 27(4), 401–416. 

    Gallo, M. A., & Tomaselli, S. (2006). What is a Family Business? IESE Business School. 

    Miller, D., & Le Breton-Miller, I. (2005). Managing for the Long Run: Lessons in Competitive Advantage from Great Family Businesses. Harvard Business School Press.

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