12 de Agosto de 2025


GRAÇA CARVALHO

Formadora e Consultora


Higiene Laboral e Outras Utopias


Embora não seja habitual comentar a deontologia do escritório comum, fazê-lo pode ser tão necessário como definir um melhor modelo de avaliação de desempenho.

Se formos honestos, de que servem as missões na parede se quando despertamos de uma noite mal dormida elas passam a ocupar a última prateleira das nossas prioridades?

O sentimento ético é um fenómeno situacional: Quando a urgência dita as regras, é um dos primeiros a sair da sala. A higiene relacional é o cuidado que dedicamos às nossas relações.

É óbvio que “Valorizamos as pessoas!”. Está no ecrã de boas-vindas, nas newsletters, no fundo da Zoom call. Mas, na prática, despedimos por e-mail, prendemos pessoas a reuniões inúteis, tratamos o burnout com yoga. Quando os RH têm poucos recursos e são pouco humanos, o vocabulário ético pode virar uma manobra de controlo: se o questionamos “não estamos alinhados com os valores da empresa” e se lhe resistimos “temos dificuldades de adaptação”.

No centro desta exploração está o arquétipo colega/chefe: que nos expõe as fragilidades e nos suga a energia. Baliza-se pelo pior 

comportamento que estiver disposto a tolerar e tem essencialmente 3 grandes problemas:

(1) não é como nós: inadequado, pouco imaginativo e desleixado, contrasta com o nosso bom-senso e profissionalismo;

(2) parece profissional: leva a casa para o trabalho, não a de hoje, mas a de outrora, quando ainda criança aprendeu sobre a autoridade e o trabalho em equipa;

(3) parece adulto: habita um corpo crescido com comportamentos infantis; resolve grandes desafios financeiros mas ainda enfrenta muitos monstros debaixo da cama;


a ética não é um diferencial, mas um luxo. Sem ela, o crescimento económico é um eco da expansão do trauma.


Somos um complexo psíquico, acometido por várias desgraças: traídos por vieses inconscientes, permeáveis a dinâmicas de poder, representamos convenções que não detectamos e 






temos emoções que não sabemos reconhecer e regular.

Junte-se a tirania da produtividade, a ferida da comparação e o fardo do perfeccionismo; um sentimento de pertença enfraquecido e uma espécie de dúvida existencial; maleitas físicas e variações hormonais e está reunido o delírio. É espantoso que a maioria dos dias não termine em tragicomédia.

A verdade é que todos somos agentes de toxicidade - um fenómeno que se infiltra nas micro-interações: o silêncio passivo-agressivo, o email que não responde ao solicitado. Outras vezes, somos agentes de trauma (ameaça constante, hipervigilância, desconfiança). Aqui, a ética não é um diferencial, mas um luxo. Sem ela, o crescimento económico é um eco da expansão do trauma.

Há uma dimensão da ética que acontece antes das palavras: a que se sente no corpo. Queremos parecer calmos ou resilientes, mas o corpo dá sinais. Hasteamos orgulhosamente a bandeira da resiliência mesmo sem ninguém na plateia. A toxicidade não deixa nódoas negras visíveis, embora mine a dignidade e crie um ambiente de medo. Reforça-se por parte de quem tinha poder mas não interviu, tornando estas práticas legitimas e mudando o rumo de uma cultura.


 

 



 

As emoções têm, aqui, um papel central. Os julgamentos de valor que reforçamos ao longo da vida, determinam as nossas ações; e a sua validade e adequação impactam a nossa felicidade. Da ausência da culpa e vergonha nasce a psicopatia e a criminalidade. Ambas são consequência de um erro, embora com afetações psicológicas diferentes: A culpa diz “tu cometeste um erro”; a vergonha diz “tu és um erro”. 

Se o bem for tudo o que serve à empresa, o que a faz crescer e desenvolve; e se o que trava o seu progresso for do reino do mal, não saberemos distinguir crescimento sustentável de predatório. O crescimento nem sempre é desejável. Os fungos e tumores também crescem e não lhes chamamos sucesso.


Crescer pode custar um preço demasiado alto na moeda da humanidade: - se nos custar a dignidade (quem cresce; quem fica para trás) - se superar o limite entre desafio e exaustão.

Na China, algumas crianças já usam bandas que monitorizam a concentra­ção, em tempo real. Se o cérebro está atento, liga-se uma luz azul, se dispersar, vermelha. Os aparelhos enviam relatórios de performance a pais e educadores. Estamos perante um dilema inescapável. 

A educação baseada em dados e a aprendizagem personalizada seria uma vitória ética, não fosse pairar no ar uma vigilância Big Brother que reúne muitos dados e uma pitada de paranóia. 

O que virá a seguir para as empresas?


Falta pouco tempo para lá chegarmos e até lá, precisamos de fazer uma manutenção diária da nossa relação com o outro, particularmente quando o sistema entorta: no erro, na falha. Habitamos um lugar onde abunda ética, quando temos segurança psicológica para não sermos máquinas perfeitas.  

Organizações éticas são feitas de pessoas que podem errar e são intencionais a reparar rupturas; perseguem a verdade e entregam-na com amor; aproveitam as ocasiões de dor para se transformar. Esta capacidade de reparação é um diferencial competitivo raríssimo.

E tudo se resume ao seguinte: os sorrisos são genuínos? as conversas são sinceras? as pessoas ajudam-se mutuamente? 

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