GRAÇA CARVALHO
Formadora e Consultora
Higiene Laboral e Outras Utopias
Embora não seja habitual comentar a deontologia do escritório comum, fazê-lo pode ser tão necessário como definir um melhor modelo de avaliação de desempenho.
Se formos honestos, de que servem as missões na parede se quando despertamos de uma noite mal dormida elas passam a ocupar a última prateleira das nossas prioridades?
O sentimento ético é um fenómeno situacional: Quando a urgência dita as regras, é um dos primeiros a sair da sala. A higiene relacional é o cuidado que dedicamos às nossas relações.
É óbvio que “Valorizamos as pessoas!”. Está no ecrã de boas-vindas, nas newsletters, no fundo da Zoom call. Mas, na prática, despedimos por e-mail, prendemos pessoas a reuniões inúteis, tratamos o burnout com yoga. Quando os RH têm poucos recursos e são pouco humanos, o vocabulário ético pode virar uma manobra de controlo: se o questionamos “não estamos alinhados com os valores da empresa” e se lhe resistimos “temos dificuldades de adaptação”.
No centro desta exploração está o arquétipo colega/chefe: que nos expõe as fragilidades e nos suga a energia. Baliza-se pelo pior
comportamento que estiver disposto a tolerar e tem essencialmente 3 grandes problemas:
(1) não é como nós: inadequado, pouco imaginativo e desleixado, contrasta com o nosso bom-senso e profissionalismo;
(2) parece profissional: leva a casa para o trabalho, não a de hoje, mas a de outrora, quando ainda criança aprendeu sobre a autoridade e o trabalho em equipa;
(3) parece adulto: habita um corpo crescido com comportamentos infantis; resolve grandes desafios financeiros mas ainda enfrenta muitos monstros debaixo da cama;
a ética não é um diferencial, mas um luxo. Sem ela, o crescimento económico é um eco da expansão do trauma.
Somos um complexo psíquico, acometido por várias desgraças: traídos por vieses inconscientes, permeáveis a dinâmicas de poder, representamos convenções que não detectamos e
temos emoções que não sabemos reconhecer e regular.
Junte-se a tirania da produtividade, a ferida da comparação e o fardo do perfeccionismo; um sentimento de pertença enfraquecido e uma espécie de dúvida existencial; maleitas físicas e variações hormonais e está reunido o delírio. É espantoso que a maioria dos dias não termine em tragicomédia.
A verdade é que todos somos agentes de toxicidade - um fenómeno que se infiltra nas micro-interações: o silêncio passivo-agressivo, o email que não responde ao solicitado. Outras vezes, somos agentes de trauma (ameaça constante, hipervigilância, desconfiança). Aqui, a ética não é um diferencial, mas um luxo. Sem ela, o crescimento económico é um eco da expansão do trauma.
Há uma dimensão da ética que acontece antes das palavras: a que se sente no corpo. Queremos parecer calmos ou resilientes, mas o corpo dá sinais. Hasteamos orgulhosamente a bandeira da resiliência mesmo sem ninguém na plateia. A toxicidade não deixa nódoas negras visíveis, embora mine a dignidade e crie um ambiente de medo. Reforça-se por parte de quem tinha poder mas não interviu, tornando estas práticas legitimas e mudando o rumo de uma cultura.