6 de Novembro de 2021








VÍTOR BRIGA

Formador de Criatividade e Comunicação





BRASIL – TARTE DE LIMÃO E GENTILEZA











“You’re never too importante to be nice to people.”


Thelonious Monk




N

o ano de 2002, fui escolhido, com mais três pessoas, que, entretanto, se tornaram queridos amigos, para fazer parte de uma comitiva de intercâmbio de estudos entre Portugal e Brasil. A aventura consistia em, durante um mês, percorrer todo o estado do Rio Grande do Sul, ficar alguns dias em cada cidade e fazer uma apresentação sobre a minha área de atividade aos colegas brasileiros. No meu caso, falava, por onde passava, um pouco sobre as áreas de formação que nessa altura estava a investigar: criatividade, inteligência emocional e as minhas metodologias pedagógicas baseadas no teatro.

Tratou-se de um mês intenso, pois percorremos diferentes cidades (Portalegre, Passo Fundo, Caxias do Sul, Lageado, etc.) e em cada uma delas ficávamos em casa de empresários locais que se voluntariavam para nos receber e oferecer a hospitalidade que um hotel não poderia dar da mesma forma.

Sendo assim, conheci cerca de sete cidades e como tal, fiquei em casa de sete famílias diferentes, o que permitiu um conhecimento variado das pessoas desta região do Brasil.

De lembrar que esta zona teve muita presença italiana e alemã e, dessa forma, este não é o Brasil mais conhecido ou típico, mas um Brasil com uma forte influência europeia, que se podia ver nas construções das casas em algumas vilas, cujos estética dos edifícios podia transportar-nos para uma qualquer comunidade alemã, ou na própria meteorologia que se aproxima bastante da nossa.

Hoje, passados quase vinte anos, quando penso nesta viagem, ocorre-me imediatamente à memória a primeira família que me recebeu em Lageado. Um simpático casal jovem, de ascendência italiana, com dois filhos. Lembro-me do carinho com que a senhora da casa me recebeu e de me ter tratado quase como um filho. Fez tudo para que a minha estadia no seu lar fosse agradável e confortável.

Um detalhe que me ficou foi a sua maravilhosa tarte de limão.

 Ainda hoje não consigo comer uma tarte de limão sem comparar ou recordar esses momentos, após o

jantar, em que me deliciava e via nos olhos dela a satisfação de me ver a saborear aquela sobremesa. Assim, todos os dias, esta senhora fazia questão que não faltasse uma fatia da sua tarte para mim e no dia em que me despedi tinha, juntamente com um abraço, uma das suas tartes de limão embrulhada para prolongar, na longa viagem que se seguia, a memória desses momentos felizes.

Nessa altura não havia internet e, por isso, perdi o contacto com esta família. Muito provavelmente, esta senhora não tem consciência do impacto que a gentileza dela teve neste, então, jovem a começar a sua carreira, longe de casa e no meio de “estranhos”.

Quero com esta história falar da importância da gentileza e dos pequenos gestos e de como, às vezes, não temos noção de como uma palavra simpática, um sorriso, um abraço (ou uma fatia de tarte de limão) nos pode deixar gratos para o resto da vida. Também não me esqueço do seu sorriso ao despedir-se de mim e de como estava feliz por sentir

que de alguma forma me tinha marcado positivamente.

Várias investigações de Sonja Lyubomirsky, especi­a­lista na área da psicologia positiva, demon­stram que ajudar os outros nos faz mais felizes. Diz ela que: “Ser amável e generoso leva-nos a perceber os outros de forma mais positiva e caridosa. (…) Um grande benefício da bondade é a influência que tem na auto-perceção. Quando pratica atos de bondade, é possível que comece a ver-se como uma pessoa altruísta e compassiva.

Esta nova identidade aumenta a sua confiança e o seu otimismo, e faz com que se sinta útil. (…) E acrescenta: “Ajudar os outros faz com que as pessoas gostem de nós, nos deem valor e demonstrem gratidão. Pode igualmente conduzir a atos de reciprocidade por parte das pessoas nos momentos em que necessitamos delas. Ajudar os outros pode satisfazer uma necessidade básica de nos ligarmos aos outros, de receber sorrisos, gratidão e amizades valiosas (…) De facto, descobrimos que uma das principais 

razões pelas quais ser generoso faz as pessoas felizes era ajudá-las a perceber o quanto os recetores apreciavam a sua generosidade.”

Sendo a gentileza de facto uma enorme qualidade, Lyubomirsky chama, porém, à atenção para as limitações da generosidade: “(…) é possível que as outras pessoas nem sempre desejem a sua generosidade. Ajudar alguém por vezes coloca essa pessoa numa posição incómoda e faz com que se sinta necessitada, em desvantagem e em dívida. Consequentemente, é possível que, ao invés de gratidão e agradecimento, a resposta dessa pessoa seja algo mais próximo da hostilidade e ressentimento. A sua atitude e abordagem podem difundir ou minimizar esses possíveis sentimentos. Não adote uma atitude de superioridade nem aja com condescendência (…) Além disso, a menos que a situação seja crítica, não ajude quem não quer ser ajudado.”

Isto lembra a importância de ajudar e ser genero­so apenas enquanto tal for verdadeiro e confortável



também para si, caso contrário deixa na verdade de ser um ato de gentileza e pode passar a ser uma manifes­tação de um ego que necessita da validação dos outros, transformando aquilo que deveria ser um gesto bonito num “negócio” emocional em que todos ficam a perder, com ressentimentos e expetativas defraudadas.

Para terminar deixo aqui três atos de gentileza simples que pode praticar e que terão um efeito muito positivo nos seus interlocutores:

- Trate as pessoas pelo nome: diz-se que a palavra que as pessoas mais gostam de ouvir é o seu nome, talvez por este estar na nossa memória como a palavra que ouvíamos mais vezes os nossos pais a dizer com carinho quando ainda eramos bebés. Tratar uma pessoa pelo nome significa distinguir essa pessoa da multidão, significa mostrar que olhamos para ela e nos lembramos de algo que é seu e a personaliza, que é um rosto que se destaca e que considerámos;

- Seja grato: expresse o seu agradecimento quando alguém o trata bem num atendimento ao público ou despendeu algum do seu tempo consigo. Não assuma que as pessoas são obrigadas a serem boas para si. Pense que o tempo é um recurso valioso e que, se alguém decide dar-lhe esse tempo e atenção focada, seja num encontro de amigos, seja numa formação ou reunião comercial, é merecedor de uma palavra de agradecimento;

- Responda aos emails: segundo uma investigação de Duncan Watts, investigador principal na Microsoft Research, o tempo de resposta ao email é o melhor indicador de satisfação ou não com o chefe. Quanto mais tempo um chefe demorar a responder aos emails dos empregados, menos satisfeitos eles ficam com a sua liderança.


Numa das empresas que visitei nesta viagem, estava um cartaz afixado na zona de trabalho que dizia: 




“Aviso: eu sou tão frágil quanto você!”. Seja gentil.





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