6 de Fevereiro de 2024






VÍTOR BRIGA

Formador de Criatividade e Comunicação




UMA CONVERSA SOBRE PSICOLOGIA POSITIVA






Fundado por Martin Seligman, em 1998, a Psicologia Positiva é um movimento recente que tem como objetivo que os psicólogos contemporâneos adotem "uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades humanas" (Sheldon & King, 2001), enfatizando mais a busca pela felicidade humana que o estudo das doenças mentais.




E

sta será a única citação ‘científica´ deste artigo. A partir daqui o que vai ler será um artigo de opinião, que poderia ser a conversa que gostaria de ter convosco, acompanhada de uma bebida quente nestes dias frios.

Dou formação na área comportamental há vinte e sete anos. Nos últimos dez anos, tenho-me debruçado sobre a área da Psicologia Positiva, ou seja, treino hábitos para ajudar as pessoas a aumentar o seu bem-estar subjetivo e, como consequência, terem momentos de maior felicidade na sua vida pessoal e profissional. Neste percurso, tenho observado diversas contradições na análise desta abordagem e, reconhecendo a importância fundamental deste tema para os nossos tempos, não posso deixar de partilhar convosco algumas inquietações.

FELICIDADE NÃO É FACILIDADE

Muitas vezes, começo a minha formação acerca deste tema com a entrada de um ator a representar a personagem de um “Guru” da felicidade.




Aquele estereótipo que todos temos da pessoa que vende ‘receitas rápidas’ para nos fazer ficar felizes instantaneamente.

O objetivo, depois deste momento cómico, e ativador da energia dos grupos, é demonstrar que essa é uma abordagem ultrapassada e que agora os estudos sobre felicidade têm uma base científica. A abordagem já não é a da facilidade, mas sim a partilha de um conjunto de princípios e técnicas que, se forem postas em prática de forma consistente, podem efetivamente aumentar as nossas emoções positivas.









No entanto, a nova abordagem implica um trabalho de autoconhecimento prévio que passa também, a meu ver, pelo desenvolvimento da Inteligência Emocional. Implica o compromisso de querer abandonar velhos hábitos nas relações intra e interpessoais e colocar em prática novas crenças e hábitos que cada um sente que lhe podem fazer bem. Ou seja, não existem receitas rápidas para felicidade. Da mesma forma que quem quer emagrecer decide fazer um plano nutricional e/ou atividade física, também ser feliz é um










objetivo que carece de um plano com passos claros. Importa ir regularmente ao ‘ginásio da felicidade’.

SENSO COMUM NÃO É PRÁTICA COMUM

Alguns dos críticos deste tema, dizem que a Psicologia Positiva oferece um conjunto de dicas e ferramentas que são ‘senso comum’. Até posso concordar que, em abordagens mais rápidas ao tema, as propostas são óbvias. Dizer coisas como “o exercício físico praticado de forma regular aumenta a felicidade” ou “a expressão da gratidão permite ter emoções mais positivas” pode ser considerado senso comum, mas o que me inquieta é verificar que a maior parte dos céticos quando questionado sobre os seus hábitos diários, acaba por admitir que não coloca em prática as ferramentas, ou porque “não tem tempo” ou por outro motivo qualquer (que muitas vezes é apenas comodismo ou uma resistência à mudança). Na verdade, até pode ser senso comum, mas não é prática comum! E enquanto não pusermos em prática aquilo que sabemos, apenas temos conhecimento, não temos sabedoria.

A SOCIEDADE DO CANSAÇO

Infelizmente, estamos demasiado cansados para ser felizes. A esperança de uma sociedade pós pandémica emocionalmente mais inteligente, que valorizasse o que verdadeiramente importa, dissolveu-se quando voltamos à corrida diária. Na maior parte das vezes, reagimos e sobrevivemos. Esta ‘Sociedade do Cansaço’ (expressão de Byung-Chul Han) aloca toda a nossa atenção e energia às exigências que nos impomos, e que nos são impostas, e como tal, a pressão para a produtividade, retira-nos a visão global necessária para cuidarmos de nós e percebermos que, paradoxalmente, seriamos ainda mais produtivos se fossemos mais felizes.

Sem querer julgar as opções de




cada um, pois todos temos as nossas razões para entrar nesta corrida desenfreada, importa reconhecer que contribuímos, muitas vezes de forma inconsciente, para a degradação dos nosso bem-estar. Depois a vida passa. Estabelecer limites, saber dizer que não, perceber que muitas das nossas cargas são resultado de uma pressão social, e não uma vontade real, é fundamental para começarmos a dar prioridade ao nosso bem-estar a e a nossa saúde mental.

ESTAMOS DEMASIADO TEMPO ‘LIGADOS ÀS MÁQUINAS’

Há tempos, estava a dar formação sobre este tema e verifiquei que um terço do grupo estava na formação com o computador ligado a resolver tarefas profissionais. Uma vez que era o primeiro dia que dava formação neste cliente, fiquei na dúvida se proibia o uso de computadores, pois podia ser cultura da empresa estar ‘sempre ligado’. No entanto, o paradoxo instalou-se: estava a falar da importância de ‘estar aqui e agora’, de ser mindful, e observava pessoas que, porque queriam estar em vários lugares ao mesmo tempo, não estavam na verdade em lugar nenhum. Depois de uma conversa com a diretora de formação, no início do dia seguinte, pedi para manterem computadores e telefones desligados. Claro que recebi algumas expressões de desagrado iniciais, mas foi muito interessante no final observar que várias pessoas me agradeceram o facto de terem tido um dia para si. Um dia de ‘Me Time’. As máquinas estiveram desligadas, o mundo não acabou. O tempo foi real, as emoções foram vividas. Claro que a maior parte deles teve de fazer horas extras para colocar os emails em dia (esforço que lhes agradeci), mas, desta vez, estiveram presentes, viveram aquele dia. É preciso proteger o nosso ‘Me Time’. É que a vida passa.




ELES OLHAM PARA O QUE TU FAZES, NÃO PARA O QUE TU DIZES

Nesta conversa, gostaria agora de falar sobre o impacto que as lideranças têm neste tema. Um líder de uma equipa não tem o direito de exigir que as pessoas sejam felizes. Tem o dever de dar o exemplo e de criar as condições para que as pessoas sejam felizes no trabalho, se esse for um dos valores da empresa. Ninguém vai ser feliz por decreto! Aliás, a imposição de um ambiente só com emoções positivas corre o risco de ter o efeito contrário e o discurso da felicidade passa a ser recusado e até, em alguns casos, boicotado, pois é sentido como uma ‘positividade tóxica’, julgadora daqueles que não fazem parte do discurso dominante. Sejamos claros, alguns estudos nesta área, vêm comprovar que a herança genética tem um peso forte na nossa felicidade. Umas pessoas terão uma predisposição maior do que outras para as emoções positivas. Assim, creio que mais do que falar, ou exigir, as lideranças devem dar o exemplo de alguém que se foca nas forças dos seus colaboradores, que sabe transformar problemas em oportunidades, que vê o lado positivo das situações, que se foca nas soluções, que trata os colaboradores com empatia, que entrega feedback construtivo e que desenvolve as pessoas com real preocupação por elas e pela melhoria do seu desempenho. Esta liderança pelo exemplo, ao longo do ano, terá muito mais impacto do que eventos esporádicos sobre Psicologia Positiva.

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA, NEM SE VENDE. É UMA ESCOLHA!

Vejo com agrado a quantidade de cursos, pós-graduações e eventos sobre Psicologia Positiva que têm sido criados ao longo dos últimos anos. Num país em que a melancolia e o pessimismo foram sempre muito dominantes, é bom perceber que estamos a contrariar




esta tendência e que existe mercado para o estudo da alegria, do florescimento, do flow e do bem-estar. Depois de dar formação em vários países no mundo, creio mesmo que Portugal poderá ser uma economia mais forte e respeitada se formos todos mais cooperativos e se tivermos mais autoestima (e menos ego). Em todo o caso, inquieta-me alguma banalização do tema (o que, aliás, é matéria fértil para humoristas cínicos que colocam no mesmo saco as abordagens sérias nesta área e algum life coaching que, por vezes, promete as tais receitas rápidas). Importa que as marcas falem de felicidade de forma mais consciente, não esvaziando a importância do tema em prol apenas de marketing fácil. Importa, também, que a oferta formativa nesta área não ceda à tentação de prometer o paraíso a custos elevados, mas que venda aquilo que a formação pode realmente oferecer: um mapa de navegação. A formação sobre Psicologia Positiva fornece um mapa, mas quem tem de navegar são os formandos. A formação abre portas, mas quem tem de percorrer os caminhos, é o próprio. Cada um sabe da sua vida. O formando pode escolher ser mais feliz, ou não. É a sua escolha.

A FELICIDADE DO DEVER CUMPRIDO

E a felicidade que obtemos das coisas que não nos dão prazer, mas que nos dão propósito? Sejamos honestos, às vezes ser feliz implica passar algum tempo a fazer coisas de que não gostamos, mas que temos de fazer para cumprir uma missão mais elevada. Às vezes, teremos de ser assertivos e dizer coisas que os outros não vão gostar, mas que sabemos que, para nós, estão corretas. Às vezes, teremos que ser autênticos, e, como tal, correr o risco de não sermos amados. Felicidade é também mergulhar intensamente na nossa verdade, desde que o façamos 






com a melhor das intenções para contribuir para um mundo melhor e deixar a nossa marca única.

A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS

Há anos, entrevistei várias pessoas nas ruas de Nova Iorque, o que resultou num pequeno vídeo que mostro no início dos cursos. Perguntei “O que é a felicidade para ti?” A maior parte das respostas foram: “Estar com as pessoas de quem gosto”, “Acordar e ver o sol a nascer”, “Estar em paz comigo”, “Ler um bom livro”, “A minha família…” Qual seria a sua resposta?

E A VIDA PASSA!

E assim passaram dez anos desde que existe a Start&Go! Parece que foi ontem que comecei a colaborar com esta Revista. Cada vez que vejo um artigo meu publicado, sinto-me feliz por poder chegar até vós. Obrigado à Mónica Monteiro e a toda a equipa por este propósito na construção de um espaço de partilha e de aprendizagem muito rico e criativo. Que venham mais dez anos com muitas conquistas para todos os leitores. E que nesse caminho para o sucesso, nunca percam a vontade da jornada, o encanto da paisagem, o prazer da caminhada.

“ 

Que mantenham a felicidade das pequenas coisas.

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