28 de Outubro de 2023






VÍTOR BRIGA

Formador de Criatividade e Comunicação




ESPANHA – O PODER DO PROPÓSITO






Como manter a motivação elevada, o entusiasmo e a consistência depois de vinte e cinco anos a trabalhar na mesma área? Como recuperar aquele sentimento de conquista e aquela energia inabalável que tínhamos nos primeiros anos de trabalho? Onde encontrar vontade renovada, quando já se lidou com múltiplos desafios, já se superaram várias metas, já se fez a diferença e já se foi alvo de reconhecimento valioso?




C

reio que estas são perguntas que muitos profissionais se fazem quando chegam a uma determinada fase da sua carreira.

As respostas simples são: precisamos de continuar a ganhar dinheiro e queremos o reconhecimento dos outros e a satisfação de continuar a fazer um trabalho bem feito.

Ok, é verdade. No entanto, sejamos honestos: a partir de uma certa altura, a recompensa monetária, por si só, não é suficientemente motivadora para fazer querer correr a “extra mile” e esperar pelo reconhecimento dos outros pode ser uma falácia do ego, pois todos já passamos por situações em que sabemos que fizemos um bom trabalho e, devido a variáveis fora do nosso controlo e que nada tiveram a ver com o nosso desempenho, não fomos justamente reconhecidos.

Por esse motivo, creio que a motivação e a alavanca inspiradora para querer continuar a fazer a diferença na vida dos outros, e para a contínua superação em busca da excelência, terá de se encontrar dentro de nós: no nosso propósito.




Um homem estava a caminhar e avistou três trabalhadores que estavam a fazer exatamente a mesma tarefa numa grande obra. Curioso, o homem aproximou-se do primeiro trabalhador e perguntou: “O que está a fazer?”

O trabalhador respondeu: "Estou a partir pedras, não vê? É um trabalho cansativo, pode deixar-me em paz e seguir o seu caminho!” Responde o homem, visivelmente zangado com a vida.

O caminhante dirigiu-se ao segundo trabalhador e fez a mesma pergunta. Este respondeu: "Estou a construir uma parede. É um trabalho cansativo, mas estou feliz por poder ganhar dinheiro para viver e sustentar a minha família.”

Por fim, perguntou ao terceiro trabalhador: "E você, o que está a fazer?"

Este, com um sorriso no rosto, respondeu: "Estou a construir uma catedral. É um trabalho cansativo, mas sinto-me honrado por participar na construção de uma obra monumental e única que inspirará gerações futuras."

Esta história clássica ilustra a importância de ter uma perspetiva mais ampla das consequências daquilo que fazemos. A forma como o terceiro trabalhador via as suas tarefas dava-lhe uma sensação de propósito e significado, o que o fazia sentir-se mais realizado e satisfeito no seu trabalho.

Há exatamente vinte e cinco anos visitei pela primeira vez Barcelona. Nessa viagem, acompanhado de queridos amigos que mantenho até hoje, fomos visitar o Templo da Sagrada Família. Nessa altura, a obra ainda estava bastante crua, mas recordo-me de já me ter impressionado pela sua ousadia e originalidade.

Este ano, voltei a Barcelona, numa viagem de trabalho, e tive a oportunidade de entrar pela segunda vez neste Templo. É indiscritível o sentimento de espanto que tive perante a beleza do edifício. Senti que estava perante algo único e, na verdade, não queria vir embora, pois havia tanto para apreciar: a luz, os vitrais, as colunas, os detalhes, a originalidade, a relação



entre as várias visões dos arquitetos envolvidos…Tudo impressiona porque estamos perante a excelência e o belo, perante o resultado do trabalho de um homem com propósito: Antoni Gaudí.

Gaudí foi um arquiteto catalão conhecido pelas suas obras únicas e inovadoras, a famosa Sagrada Família, mas também, entre outras, a bela casa Milà (mais conhecida como La Pedrera) ou a Casa Batlló.

Para entender o propósito de Gaudí na construção da Sagrada Família, é importante perceber a sua vida e filosofia. Gaudí nasceu em 1852 em Reus, Espanha, e estudou arquitetura em Barcelona. Desenvolveu um estilo único e altamente ornamentado que incorporava elementos da arte e da natureza, pois a sua filosofia era baseada na ideia de que a arquitetura deveria ser orgânica e refletir o mundo natural. Tornou-se um dos líderes do movimento modernista catalão, tendo dedicado à Sagrada Família grande parte da sua vida. Assumiu o projeto em 1883 e trabalhou nele até à sua morte em 1926.

O propósito de Gaudí na construção deste Templo era criar uma obra arquitetónica que fosse profundamente espiritual adaptando a linguagem da natureza às formas estruturais da arquitetura. Incorporou uma série de elementos simbólicos como colunas que se assemelham a troncos de árvores, vitrais de cores diferentes que refletem a luz de forma sublime, acompanhando a entrada do sol ao longo do dia, e criou esculturas de animais e plantas que representam a criação divina.

Gaudí considerava a construção da Sagrada Família como um ato de devoção pessoal. Viveu numa pequena casa dentro da obra muitos anos e dedicou a maior parte da sua energia ao projeto. Na verdade, foi tão dedicado à construção da Sagrada Família que se recusou a trabalhar em outros projetos, mesmo quando recebeu ofertas lucrativas para o fazer. Embora não tenha vivido para ver a conclusão da Sagrada Família (que está prevista para os próximos anos),





esta obra continua a ser um dos marcos mais famosos e icónicos de Barcelona e é visitada por milhões de pessoas todos os anos. Gaudí morreu em 10 de junho de 1926, aos 73 anos de idade, devido a um trágico acidente. Foi atropelado por um elétrico enquanto caminhava para a igreja de Sant Felip Neri em Barcelona, onde costumava ir rezar diariamente.

Após o acidente, não foi reconhecido de imediato e foi










levado para o Hospital, onde foi confundido com um mendigo devido à sua aparência descuidada e maltratada. Como resultado, não recebeu os cuidados médicos adequados e faleceu poucos dias depois. A morte de Gaudí foi amplamente lamentada por toda a Espanha e a sua contribuição para a arquitetura moderna é reconhecida por todos!








E você? Qual é o seu Ikigai?

Talvez por a obra de Gaudí atrair muitos arquitetos japoneses, dei por mim durante a visita a pensar que Gaudí tinha um forte Ikigai.

Ikigai é um conceito japonês que se refere a um senso de propósito e significado na vida. A palavra "Ikigai" é composta por dois termos: "iki", que significa "vida", e "gai", que significa "valor" ou "sentido". O Ikigai é frequentemente descrito como a interseção de quatro elementos principais:

Paixão: o que gosta de fazer.

Missão: o que o mundo precisa.

Profissão: o que pode ser pago para fazer.

Vocação: aquilo que faz bem, aquilo em que é bom.

Quando estes quatro elementos se combinam, uma pessoa pode encontrar o seu Ikigai, ou seja, a sua razão de ser na vida, o seu propósito. Encontrar o seu Ikigai pode ser uma jornada pessoal significativa e um processo contínuo de autoexploração e desenvolvimento. o Ikigai é um guia para tomar decisões importantes na vida, como escolher a profissão ou definir as suas metas pessoais.

Muitas vezes, o Ikigai é encontrado através das atividades diárias que trazem alegria e satisfação, como passatempos, trabalho voluntário, relacionamentos pessoais ou desafios profissionais. Encontrar o seu Ikigai pode envolver uma grande mudança de vida.

O conceito de Ikigai tem sido associado a uma série de benefícios para a saúde mental e bem-estar, incluindo maior satisfação com a vida, maior senso de propósito, menor risco de depressão e ansiedade e maior longevidade.

Cada dia é uma oportunidade para deixarmos um pouco da nossa marca nas pessoas com quem nos cruzamos ou nas tarefas que fazemos. Não precisamos de construir uma Sagrada Família, mas podemos ser mais completos, e criar espanto e gratidão nos outros, se nos atrevermos a ser consistentemente autênticos, gentis e generosos naquilo que fazemos.



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