12 de Agosto de 2025


JOSÉ CARLOS PEREIRA

Especialista em Vendas e Negócio Internacional




Vender com ética: entre a elegância da influência e o veneno do atalho




Desde o início da minha carreira em vendas que percebi o poder (e o perigo) da influência com um toque emocional: criar um sentido de urgência, provocar emoções com boas narrativas e conectar com empatia. Importa notar que tudo isto funciona e provoca resultados.


E

pelo caminho também descobri que há uma linha muito ténue entre influenciar com consciência e enganar com elegância. Muitos nem se apercebem quando a atravessam e depois não entendem por que motivo perdem a sua reputação. Reforço que branding pessoal e reputação se relacionam com o que os outros falam de nós na nossa ausência. E a reputação só vai a jogo com a ética.

Há uma ideia que captei há anos e que nunca me saiu da cabeça: ser emocio­nalmente convincente. “É mais fácil enganar uma pessoa do que lhe explicar mais à frente que foi enganada” – uma frase desconfortável, mas verdadeira, que já me proporcionou alguns inimigos. Mas, como o que digo ou penso não perde valor pela opinião dos outros, já não me preocupo em dizer umas verdades desconfortáveis, em vez de mentiras reconfortantes e populares – e até podemos endurecer nas palavras com alguma ternura. 





“ 

Se não punha no seu carrinho, porque põe no carrinho do cliente?”

De facto, o errado continua a ser errado, mesmo que muitos o estejam a fazer.

No fundo, vender com ética é um ato de coragem intelectual. Exige mais cérebro do que jogo verbal. E não há um script de vendas nem uma fórmula mágica que substituam isto.

É mais fácil enganar uma pessoa do que lhe explicar mais à frente que foi enganada.

Lembro-me de uma situação em que estive nesse dilema. Estava prestes a fechar uma proposta bem grande para um cliente com um bom histórico na empresa onde era técnico/comercial à altura (na ordem dos 60 000,00 EUR). A proposta encaixava razoavelmente bem nas necessidades do cliente, mas, na minha análise mais crítica, percebi que não era perfeita para todas as necessidades e desafios daquele cliente.

Lembrei-me da voz interior: “Se fosses tu no lugar dele, compravas mesmo?”. E disse, de forma simples para o meu interlocutor nessa compra: “Se estivesse nesse lugar de decisão, esperava por mais dados/detalhes sobre a tecnologia, pois, como referi, está em mudança, e só assinaria a ordem de encomenda daqui a cerca de dois meses”. Não fechei o contrato naquele dia. E senti a pressão de não atingir os meus objetivos mensais (e tudo o que isso implicaria nas minhas contas pessoais). O mesmo interlocutor dessa mesma empresa, sabendo do meu “não” consciente, ligou-me três meses depois para pedir uma proposta ainda maior: acabámos por fechar um contrato de 220 000,00 EUR, sem descontos, porque confiou. A ética, que parecia ter custado uma comissão, afinal pagou mais tarde um bónus que triplicou pela integridade e honestidade que tive no curto prazo. Digo, muitas vezes, que uma fotografia não é um filme. Mas também tenho consciência de que são os vários momentos de curto prazo que fazem o longo prazo. A pressão dos resultados existe (e ainda bem!).


Fica aqui a pergunta: quantas vezes fechou uma venda, sabendo que não era o melhor para o cliente? Quantas vezes preferiu o cumprimento de um indicador/objetivo à confiança? E quantas dessas decisões lhe visitaram a consciência mais tarde?

Às vezes, sinto que muitos vendedores tentam ganhar uma maratona cortando o caminho e optando por atalhos. Podem até chegar primeiro, mas sem uma medalha, pois não passaram pelos pontos de controlo e não cumpriram algumas regras. Pode parecer um plano brilhante… até alguém reparar que foi uma entrada pelo caminho errado.

No final de um dia intenso, por vezes dou comigo a pensar: “Mesmo sabendo que podia vencer com truques, recusei porque, daqui a um mês, iria querer olhar-me ao espelho com autenticidade pelo que sou”. Esse foi o click: valorizar o caráter acima do resultado imediato.

O mais curioso é que muitos confundem ética com fraqueza, como se respeitar o cliente fosse um sinal de falta de agressividade comercial (não falo aqui de ser um vendedor “bonzinho”). Nada é mais errado! Ética não é passividade. É firmeza com consciência. É vender com convicção, com atitude, até com emoção, mas sem manipular. O cliente não quer um missionário a tentar salvar-lhe a alma nem um predador disfarçado de coach: quer alguém que resolva o problema e entregue resultados.

O cliente não quer um missionário a tentar salvar-lhe a alma nem um predador disfarçado de coach: quer alguém que resolva o problema e entregue resultados

Também há quem veja a ética como um luxo: “É bonito, mas só quando temos margem, tempo ou posição de força”. Acontece que é exatamente nas alturas difíceis que ela mais se vê – e sente-se no silêncio!












A ética não é a cereja no topo de uma venda. É a massa que sustenta a relação. Não é cosmética. É a fundação. E se a ética só aparece quando nos é conveniente, então devemos rever o processo, pois não acrescenta valor.

E há ainda um ponto, na minha opinião, raramente difundido: vender com ética liberta. Porque, quando somos transparentes, não temos de memorizar meias-verdades, nem andar em círculos para justificar decisões. Não gastamos energia a esconder falhas; utilizamos essa energia para mostrar soluções e resultados. E isso fará de nós profissionais mais leves, mais ágeis e mais respeitados. Não somos os melhores porque sabemos tudo. Podemos ser os melhores porque somos confiáveis. A moeda mais valiosa é – e sempre será – a confiança. A confiabilidade vende sem estar a vender.

Vender com ética é jogar o jogo infinito. É resistir ao curto-prazo, que exige resultados para ontem e convida à manipulação. É lembrar que a reputação é construída em anos e pode ser destruída num trimestre. Se há coisa que aprendi em 28 anos no terreno, é isto: não se controla o fecho, mas dá para controlar o processo. E o processo ético começa com uma pergunta desconfortável: se eu estivesse no lugar do cliente, compraria o que estou a vender?

Há quem ache que ética é seguir a lei (as regras ou códigos de conduta). Mas a lei existe precisamente onde falta a ética. A lei é um travão externo; a ética é um travão interno; não é moral, que muda consoante a cultura ou a moda. A ética é universal, transversal e invisível. A moral pergunta se é certo ou errado; a ética, se é bom ou mau.

A moral pergunta se é certo ou errado; a ética, se é bom ou mau.

Já ouvi vendedores dizerem com orgulho: “O cliente nem sabia o que queria, mas comprou na mesma”. Parece brilhante, até percebermos que isso não é influência, é capaz de ser



anestesia. E anestesiar o cliente para fechar uma venda não é genialidade – um dia, ele vai acordar! É desonestidade emocional. Funciona? Sim, tal como funciona um medicamento errado… até dar complicações mais à frente.

Um vendedor ético pergunta melhor, recusa atalhos e fala das desvantagens do seu produto com a mesma naturalidade com que fala das vantagens, quando em comparação com outros. Um vendedor ético sabe que a confiança não é criada com palavras, mas com o que evita esconder. O cliente não é uma criança impressionável nem um obstáculo a ultrapassar. É um adulto com dores reais, orçamento e riscos calculados. Vender com ética é tratar esse adulto com respeito intelectual. E é por isso que vender bem exige integridade e não apenas técnica.

Não se trata de ser “bonzinho” ou de evangelizar o mundo das vendas. Trata-se de jogar com inteligência estratégica, porque um cliente que se sente respeitado não só volta como recomenda. E uma equipa que entende a ética como valor – e não como limitação – não só cresce como, naturalmente, estimula vendas repetidas. E, sim, pode demorar mais. Pode custar algumas vendas no início, mas o que se ganha é muito mais do que uma comissão: é um nome que abre portas e não que as fecha.

No final, vender com ética é isto: preferir uma verdade desconfortável a uma mentira reconfortante; escolher relações duradouras em vez de vitórias vazias; saber que, no fundo, não vendemos só um produto – vendemos também o nosso caráter, mesmo que ninguém o mencione ou esteja a ver. Ética é capaz de ser vender o que não se vê, embora se sinta.




1Quem vende a todo o custo vive do agora; quem vende com ética vive do depois: “A pressa de fechar hoje é muitas vezes um problema para justificar amanhã.”
2Se não compraria o que vende, talvez não deva vendê-lo: “Se não punha no seu carrinho, porque põe no carrinho do cliente?”
3Vendas fáceis com promessas vagas criam problemas difíceis com clientes céticos: “Quanto mais fácil a venda, maior o risco de o cliente voltar… mas com um advogado.”
4O cliente não precisa de ser convencido; precisa de ser compreendido e de convencer-se: “Convencer até é barato. Fazer o cliente pensar por si e chegar ao sim, isso é vender com ética.”
5Sentido de urgência sem verdade é uma espécie de chantagem disfarçada: “Se usa o medo como motor de vendas, não é um vendedor, mas um manipulador de colarinho branco.”
6A confiança não é criada com palavras; é criada com o que se evita esconder: “O cliente confia mais no que não diz do que no que repete em PowerPoint.”
7A ética não atrasa o processo; filtra é os maus negócios – “Fechar um mau negócio não é fechar… é abrir um problema com uma fatura pesada no futuro.”
8O maior ativo de um vendedor não é a técnica, é a reputação: “A técnica mete-o na reunião. A reputação mete-o no orçamento/contrato.”
9

O cliente esquece o preço, mas nunca esquece como se sentiu: “Fechou o negócio, mas o que é que ele conta sobre si a outros?”

10

O sucesso sustentável não se mede em fechos, mede-se na recorrência das compras: “Fechar uma vez pode ser fácil. Difícil é alguém querer comprar outra vez… e falar bem de si enquanto paga.”


Pense nisto com ética, se for esse o seu desejo!

Newsletter Start&Go