De facto, o errado continua a ser errado, mesmo que muitos o estejam a fazer.
No fundo, vender com ética é um ato de coragem intelectual. Exige mais cérebro do que jogo verbal. E não há um script de vendas nem uma fórmula mágica que substituam isto.
É mais fácil enganar uma pessoa do que lhe explicar mais à frente que foi enganada.
Lembro-me de uma situação em que estive nesse dilema. Estava prestes a fechar uma proposta bem grande para um cliente com um bom histórico na empresa onde era técnico/comercial à altura (na ordem dos 60 000,00 EUR). A proposta encaixava razoavelmente bem nas necessidades do cliente, mas, na minha análise mais crítica, percebi que não era perfeita para todas as necessidades e desafios daquele cliente.
Lembrei-me da voz interior: “Se fosses tu no lugar dele, compravas mesmo?”. E disse, de forma simples para o meu interlocutor nessa compra: “Se estivesse nesse lugar de decisão, esperava por mais dados/detalhes sobre a tecnologia, pois, como referi, está em mudança, e só assinaria a ordem de encomenda daqui a cerca de dois meses”. Não fechei o contrato naquele dia. E senti a pressão de não atingir os meus objetivos mensais (e tudo o que isso implicaria nas minhas contas pessoais). O mesmo interlocutor dessa mesma empresa, sabendo do meu “não” consciente, ligou-me três meses depois para pedir uma proposta ainda maior: acabámos por fechar um contrato de 220 000,00 EUR, sem descontos, porque confiou. A ética, que parecia ter custado uma comissão, afinal pagou mais tarde um bónus que triplicou pela integridade e honestidade que tive no curto prazo. Digo, muitas vezes, que uma fotografia não é um filme. Mas também tenho consciência de que são os vários momentos de curto prazo que fazem o longo prazo. A pressão dos resultados existe (e ainda bem!).
Fica aqui a pergunta: quantas vezes fechou uma venda, sabendo que não era o melhor para o cliente? Quantas vezes preferiu o cumprimento de um indicador/objetivo à confiança? E quantas dessas decisões lhe visitaram a consciência mais tarde?
Às vezes, sinto que muitos vendedores tentam ganhar uma maratona cortando o caminho e optando por atalhos. Podem até chegar primeiro, mas sem uma medalha, pois não passaram pelos pontos de controlo e não cumpriram algumas regras. Pode parecer um plano brilhante… até alguém reparar que foi uma entrada pelo caminho errado.
No final de um dia intenso, por vezes dou comigo a pensar: “Mesmo sabendo que podia vencer com truques, recusei porque, daqui a um mês, iria querer olhar-me ao espelho com autenticidade pelo que sou”. Esse foi o click: valorizar o caráter acima do resultado imediato.
O mais curioso é que muitos confundem ética com fraqueza, como se respeitar o cliente fosse um sinal de falta de agressividade comercial (não falo aqui de ser um vendedor “bonzinho”). Nada é mais errado! Ética não é passividade. É firmeza com consciência. É vender com convicção, com atitude, até com emoção, mas sem manipular. O cliente não quer um missionário a tentar salvar-lhe a alma nem um predador disfarçado de coach: quer alguém que resolva o problema e entregue resultados.
O cliente não quer um missionário a tentar salvar-lhe a alma nem um predador disfarçado de coach: quer alguém que resolva o problema e entregue resultados
Também há quem veja a ética como um luxo: “É bonito, mas só quando temos margem, tempo ou posição de força”. Acontece que é exatamente nas alturas difíceis que ela mais se vê – e sente-se no silêncio!
A ética não é a cereja no topo de uma venda. É a massa que sustenta a relação. Não é cosmética. É a fundação. E se a ética só aparece quando nos é conveniente, então devemos rever o processo, pois não acrescenta valor.
E há ainda um ponto, na minha opinião, raramente difundido: vender com ética liberta. Porque, quando somos transparentes, não temos de memorizar meias-verdades, nem andar em círculos para justificar decisões. Não gastamos energia a esconder falhas; utilizamos essa energia para mostrar soluções e resultados. E isso fará de nós profissionais mais leves, mais ágeis e mais respeitados. Não somos os melhores porque sabemos tudo. Podemos ser os melhores porque somos confiáveis. A moeda mais valiosa é – e sempre será – a confiança. A confiabilidade vende sem estar a vender.
Vender com ética é jogar o jogo infinito. É resistir ao curto-prazo, que exige resultados para ontem e convida à manipulação. É lembrar que a reputação é construída em anos e pode ser destruída num trimestre. Se há coisa que aprendi em 28 anos no terreno, é isto: não se controla o fecho, mas dá para controlar o processo. E o processo ético começa com uma pergunta desconfortável: se eu estivesse no lugar do cliente, compraria o que estou a vender?
Há quem ache que ética é seguir a lei (as regras ou códigos de conduta). Mas a lei existe precisamente onde falta a ética. A lei é um travão externo; a ética é um travão interno; não é moral, que muda consoante a cultura ou a moda. A ética é universal, transversal e invisível. A moral pergunta se é certo ou errado; a ética, se é bom ou mau.
A moral pergunta se é certo ou errado; a ética, se é bom ou mau.
Já ouvi vendedores dizerem com orgulho: “O cliente nem sabia o que queria, mas comprou na mesma”. Parece brilhante, até percebermos que isso não é influência, é capaz de ser