29 de Maio de 2024


RUI GUEDES

Di­retor de Vendas das Pá­ginas Ama­relas








A inteligência nas Vendas


A Inteligência Artificial (IA) tem feito um caminho de tal forma galopante, que seria pouco avisado não reconhecer que está em causa algo verdadeiramente disruptivo, com impactos ainda por determinar nos mais variados setores de atividade.


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sufruímos diariamente destas máquinas inteligentes que aprendem com a experiência e nem nos damos ao trabalho de pensar que por detrás da Netflix (que nos recomenda um filme do qual gostamos) ou do nosso mail (que manda para spam mensagens que pouco nos interessam) temos IA… em larga escala. Como quase sempre acontece, a ficção científica antecipa estas evoluções, não sendo por isso de estranhar que pudéssemos ter visto no “2001 Odisseia no espaço” de 1968 a IA em todo o seu esplendor.

Apenas para tocar ao de leve no Marketing Digital, não nos surpreendemos que no caso do Facebook, o algoritmo encontre padrões de comportamento, rastreie a nossa atividade (likes, comentários, partilhas,…) e cruze ainda todas as nossas informações de perfil (amigos, grupos em comum,…) para nos recomendar alguém com quem nos possamos relacionar.

 

 


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Como quase sempre acontece, a ficção científica antecipa estas evoluções, não sendo por isso de estranhar que pudéssemos ter visto no “2001 Odisseia no espaço” de 1968 a IA em todo o seu esplendor.

As Vendas

Ao contrário do que se passou em vários momentos, em que alguns mais distraídos terão vaticinado o fim da função de Vendas, desta vez houve mais cautela nas previsões e os velhos do restelo não quiseram voltar a falhar. Publiquei um artigo no início de 2019, no qual escrevi que não via qualquer inconveniente em entrar num chat e ver a minha questão atendida por um assistente virtual até porque a inteligência artificial permite hoje chegar a um refinamento, impensável há muito pouco tempo. Escrevi também algo que hoje reitero com igual convicção: Na verdade, o papel do vendedor não perdeu importância. Alterou-se!

Nessa altura, faltavam mais de 3 anos para chegarmos ao dia 30.11.2022, data em que o Chat GPT viu a luz do dia e nos deixou algo surpreendidos, ao ponto de se ter tornado na inovação do mundo tecnológico a atingir mais rapidamente 1 milhão de utilizadores. Em fevereiro de 2023, estava a assistir a uma conferência numa reputada universidade e o palestrante, de reconhecida competência, depois de aprofundar o tema chegou à parte das perguntas e respostas, e foi ao longo desta fase da palestra que fui consolidando uma perceção que, por agora, se tem mantido inalterada:

- A IA pode ferir de morte algumas atividades, pode levar a que não sejam necessárias tantas pessoas alocadas a determinadas profissões, pode ser um catalisador para muitas funções e empresas, e será também uma importante fonte de emprego.

Se do ponto de vista do utilizador podemos desde já falar em democratização da IA, interessa perceber se isto se aplica também às empresas, e aqui as dúvidas talvez sejam maiores. Numa camada muito profunda temos gigantes como a Microsoft, a Google ou a Apple, que além dos investimentos diretos em R&D, têm capacidade de adquirir startups, financiar projetos, fazer parcerias e de entrar no capital de várias empresas promissoras. Temos depois um vasto conjunto de empresas que, partindo do muito que

já foi desenvolvido, trazem para as suas áreas de atuação saltos qualitativos muito significativos e, diria eu, talvez seja aqui que se enquadram as Vendas.

Que as Vendas não são uma área isolada dentro das empresas, já sabemos há tempo suficiente, contudo todas as oportunidades são boas para uma aproximação ao Marketing, ao Serviço a Clientes, às Tecnologias e a uma visão mais holística sempre centrada no Cliente. Estando em causa vendas B2B de caráter mais complexo onde não existe propriamente uma compra por impulso, a IA pode ser aplicada de variadíssimas formas, destacando-se desde já as seguintes:

- Padrões de Consumo - A deteção de comportamentos ajuda as empresas a antecipar necessidades e a alocar recursos mais eficientemente.

- Tratamento de Dados - Com informação em larga escala o desafio passa por obter atempadamente dados de suporte à estratégia comercial, como seja, por exemplo, uma boa segmentação.

- Customização - Uma abordagem personalizada com criação de conteúdos específicos potencia uma comunicação mais eficaz e propicia um aumento das taxas de conversão de leads.

- Tempo - A automatização de tarefas pelas quais nenhum Cliente pagaria liberta a Força de Vendas para atividades de maior valor acrescentado.

- Serviço a Cliente - E porque a jornada não termina com um acordo, o suporte aos Clientes disponível 24 horas por dia pode melhorar de forma exponencial a sua experiência.

Os Números

Um estudo da Gartner envol­vendo 1.100 vendedores B2B, permitiu concluir que a adoção de aplicações suportadas em IA, vai provocar alterações radicais na alocação de tempo destes profissionais de vendas:

• Prospeção - De 15% para 5%

• Planeamento e Preparação de reuniões com Clientes - De 30% para 17%

• Chamadas telefónicas de Vendas - De 18% para 22%

• Negociação e Fecho de negócios – De 13% para 16%

• Contornar e encontrar soluções alternativas - De 9% para 6%

• Atividades de não vendas - De 15% para 7%

Uma conclusão simples é que o tempo alocado a Clientes cresce, o desperdício tem uma quebra brutal e, por fim, sobra 27% do tempo! Ainda que esteja em causa um estudo que tem, como qualquer outro, a sua a margem de erro, imagine-se a vantagem competitiva que poderá ter uma Força de Vendas que libertou 27% do seu tempo.

Por outro lado, a International Data Corporation (IDC) prevê que o investimento em IA em Portugal no corrente ano de 2024 irá ultrapassar os 100 milhões de euros (aumento superior a 20% face 2023) e que a IA poderá assumir mais de 40% das tarefas normalmente associadas ao Marketing (otimização de conteúdo, segmentação, análise e tratamento de dados dos Clientes e qualificação de leads).

Finalmente, a McKinsey prevê que a IA generativa (a que se foca na criação de novos conteúdos como texto, imagem ou áudio – Exemplo: conteúdo para um site) pode gerar entre 2,6 biliões de dólares e 4,4 biliões de dólares por ano a nível mundial e que a IA não generativa (a que se foca em tarefas de compreensão e processamento de dados – Exemplo: Classificação de mails como Spam) pode atingir 17 biliões de dólares.

A regulação

Adam Smith surge agora no âmbito desta reflexão por ter criado o conceito de “mão invisível” que, resumidamente, traduzia a ideia de que um mercado livre e competitivo potenciaria uma eficiente alocação de recursos. Ora esta realidade secundarizaria a importância do Estado, que deveria ter um papel muito limitado na regulação da economia. O que se passa é que sem uma regulação cuidada o mercado pode enveredar por alguns caminhos… menos recomendáveis.

Estou convicto que, no que à IA diz respeito, haverá muito trabalho no imediato, não obstante as toneladas de  informação que têm sido produzidas.

Está disponível no site do 

Parlamento Europeu um Relatório com 139 páginas (Relatório - A9-0186/2020) com as “recomendações à Comissão sobre o quadro dos aspetos éticos da inteligência artificial, da robótica e das tecnologias conexas”. Se por um lado a União Europeia tenta salvaguardar os direitos das pessoas e colocar alguma ordem em casa, por outro, sabe que existe uma competição internacional e portanto estará certamente atenta ao que é feito, por exemplo, na China e nos EUA.

Os lideres empresariais sabem que, ou apanham este comboio de modernização ou ficarão irremediavelmente fora de jogo em termos de competitividade, pelo que é normal que, no respeito pela lei, façam o que lhes é permitido para se manterem fortes face aos seus concorrentes. É desejável que a regulação permita um equilíbrio entre um desenvolvimento que pode trazer muitos benefícios aos habitantes deste nosso planeta e uma defesa dos diferentes direitos em contenda. Hoje é claro que a recolha de dados é necessária mas não é suficiente, já que pode ser enviesada e com isso fortalecer preconceitos e injustiças enraizadas na sociedade.

No ano em que se celebram 50 anos de democracia em Portugal, é importante lembrar que nada do que temos é seguro e que a pesada mão do Estado já muitas vezes impediu avanços, mais do que desejáveis. Das inúmeras personalidades que dão nome a ruas e a instituições, interessa hoje lembrar Beatriz Ângelo que, com todo o mérito, denomina um hospital, mas talvez seja oportuno recordar que, mais do que médica, Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar no nosso país. Aproveitou um caminho estreito que a lei lhe concedeu e num ato de heroísmo conseguiu dar um importante passo na defesa dos direitos das mulheres. Morreu em 1911 com apenas 33 anos e passados 2 anos, para deixar claro quem mandava, o governo alterou a lei clarificando que apenas podiam votar cidadãos do sexo masculino. É lamentável.

 

A Provocação

Sabendo das imensas oportunidades que a IA nos traz em cada dia, vamos então virar a moeda e ver o que pode estar na outra face, já que a regulação de que falamos deverá contemplar um uso responsável da tecnologia e preservar a privacidade dos dados.

Tendo consciência que os impactos, nomeadamente na indústria, serão brutais e podem portanto criar desemprego normalmente visto socialmente como menos qualificado, podemos estar perante uma conjuntura que pode afetar de forma muito mais intensa profissões altamente qualificadas.

Estou com sérias dúvidas acerca da “criatividade” surgida por via da IA, desde logo porque não sei se podemos falar de… criatividade. Pode produzir filmes, música, desenhos, objetos…? Claro que sim! Contudo, a questão que se levanta é se há ali algo que seja completamente novo, ou se “apenas” é produto de um conjunto de dados pré-existentes. Um processo criativo pode envolver trabalho, análise de dados, parte certamente em cima de um conhecimento já existente à época, mas também pode ter lá imaginação, intuição, experiência pessoal e emoção. Não nos enganemos: Montar móveis da Ikea ou fazer construções de Lego seguindo um manual instruções até nos pode relaxar ou disciplinar, mas não faz de nós pessoas criativas.

Nas Vendas mais complexas, sobretudo B2B, há um conjunto de fatores que fazem muita diferença e estão intrinsecamente ligados à experiência humana. Na IA, onde é que está a atitude positiva, a proatividade, a confiança e a articulação entre linguagem verbal e não verbal? Na IA, onde é que está a motivação, a criação de rapport, o calor da empatia, a determinação e a superação constante na busca pelos objetivos? Na IA, onde é que está o processo de venda que, além de contemplar o MAN, se flexibiliza de acordo com o comportamento do Cliente em cada momento?


No filme “Blade Runner” de 1982 há um diálogo curioso entre Deckard, que se dedica a abater robots que perderam o controle, e Rachel, que é precisamente um robot. Estes robots humanoides dotados de inteligência (os replicantes) terão sido criados para executar tarefas que os humanos não desejavam e, talvez por isso, Rachel diz a Deckard que a atitude dele denota que ele sente que o trabalho feito pelos replicantes não é benéfico para as pessoas. Deckard responde que os replicantes são como outra máquina qualquer - ou são um benefício ou um perigo. Se são um benefício, isso não é um problema dele.

A Conclusão

A realidade supera muitas vezes a ficção, pelo que é essencial ter a mente aberta e um espirito crítico suficientemente sagaz para não ficarmos perdidos ao sabor de um rumo que ninguém definiu. As grandes disrupções trazem consigo riscos e oportunidades e, por isso, exigem de cada um nós a lucidez de não correr atrás de uma qualquer vertigem que nos deixe do lado errado da história.

O Paradoxo de Moravec, que sinteticamente nos diz que em IA os “problemas difíceis são fáceis e os problemas fáceis são difíceis”, parece continuar sem resolução. De facto a IA lida com facilidade com cálculos mega complexos, processa rapidamente enormes quantidades de informação, mas tem mais dificuldade em, por exemplo, perceber o humor. Interessa contudo dizer que, mesmo nesta área, continua a haver uma grande evolução.

Nós não vamos viver com a IA. Nós já estamos a conviver diariamente com a IA e esta consciência deve ser o motor para nos adaptarmos, descobrirmos novas formas de fazer negócios, entregarmos mais e melhor aos Clientes, com mitigação constante dos riscos que surgirão ao virar da esquina. Colocar Inteligência nas vendas é algo consensual que não surgiu hoje. O que nos cabe fazer é recorrer ao pensamento crítico, à inteligência emocional, ter visão estratégica, ser criativos, analisar quais as soluções


Retrato de Carolina Beatriz Ângelo restaurado pelo Museu de Braga, Wikipedia



tecnológicas inovadoras que acrescentam valor ao setor em que atuamos e tomar decisões. 

A IA, mais do que uma normal ferramenta  de trabalho deve tornar-se num precioso aliado que nos impulsiona rumo a um mundo melhor para todos..

Para terminar, deixo uma frase integralmente retirada do Chat GPT a propósito da possibilidade da IA poder substituir os Vendedores.

“Em vez disso, ela os capacita, fornecendo-lhes ferramentas

e insights para melhorar seu desempenho e eficácia nas  vendas. O toque humano ainda é crucial, especialmente em vendas B2B, onde o relacionamento pessoal desempenha um papel fundamental”.

Concordo!

Quando ao “ainda”… muitos de nós estarão certamente cá para ver, pois nas Vendas e em muitos outros domínios, o “toque humano”, como decidiste chamar-lhe, será a singularidade que muitas pessoas procuram.

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