29 de Dezembro de 2022



Viarco – uma marca com história



Os leitores com mais de 40 anos, provavelmente, lembrar-se-ão dos famosos lápis de fundo branco com a tabuada em azul e uma pequena borracha na ponta do mesmo. Este e outros são produtos icónicos da Viarco, uma marca portuguesa com mais de 80 anos de existência. Contudo, para sobreviver, a empresa, que vai já na sua 4ª geração, foi forçada a reinventar-se. Para nos falar um pouco de todo este processo, conversamos com José Vieira, bisneto do fundador e atual administrador da Viarco.


Por Fernanda Silva Teixeira


Mas, comecemos pelo início. Estávamos em 1919 e Manoel Vieira Araújo era um industrial de chapelaria, estabelecido em São João da Madeira, que sentia necessidade em diversificar o risco da sua atividade. Em 1931, compra então a Fábrica de Lápis Portugália, uma unidade industrial vila condense que estava falida devido à Grande Depressão de 1929/31.

Cinco anos depois, o bisavô do atual administrador regista a marca Viarco, sendo esta a junção das iniciais do nome da empresa: Vieira Araújo e Companhia Lda. A fábrica, continuou a laborar em Vila de Conde durante mais 10 anos, após os quais Manoel Vieira Araújo transferiu toda a unidade, incluindo os trabalhadores, para São João da Madeira, onde ainda hoje se mantém. Até aos anos 70, o desenvolvimento da Viarco foi bastante próspero. Para isso, muito contribuiu o facto de Portugal ser um mercado fechado, com limitações à importação, uma vez que o país vivia em ditadura. Com a chegada da democracia, os responsáveis da empresa tomam consciência que seria necessário fazer um conjunto de investimentos, mas o receio falou mais alto. Entretanto, Portugal entra na União Europeia (UE) e a crescente concorrência no mercado, com o que de melhor de fazia no mundo, motivou ainda mais hesitação na implementação dos necessários investimentos na fábrica. 


Muitas indústrias deslocalizaram-se então, o país começa a importar, e as marcas estrangeiras, mais baratas e com maior portfólio, começam a chegar às prateleiras nacionais.

4ª GERAÇÃO (RE)TOMA A VIARCO

Já em 2000, o bisneto e agora administrador da Viarco, José Vieira, começa a trabalhar na empresa. Na altura do ‘boom’ da Internet, dos computadores, dos jogos, dos vídeos e da digitalização, o lápis torna-se algo do passado e obsoleto. A empresa foi então alvo de, pelo menos, duas tentativas de compra de empresários nacionais e estrangeiros.

Em 2011, José Vieira compra à restante família, juntamente com a sua esposa, Ana Costa, a totalidade do capital da Viarco. Com a empresa falida, o empresário e a sua esposa tiveram então de repensar o negócio, e concluíram que tinham um conhecimento único no país e que teria que ser este a ajudá-los a criar valor. Um dos primeiros objetivos passou por classificar as antigas instalações e os seus equipamentos como património de interesse municipal e integrá-los na rota do Turismo Industrial de São João da Madeira.

Contudo, o lápis não seria esquecido. Ao contrário da tecnologia que todos os dias, ou quase, muda, aparecendo sempre novidades, a indústria do lápis não é assim. Embora os pinceis e cavaletes tenham décadas, o novo administrador, começou a testar novos materiais e ferramentas de desenho, apercebendo-se que tinha construído um portfólio de produtos originais e inovadores e que estes seriam a porta para a internacionalização da empresa.

Com o pouco dinheiro que restava, apostaram então na divulgação dos produtos próprios numa feira internacional do setor da papelaria na Alemanha. “Aos potenciais clientes que demonstravam interesse nos produtos Viarco dizíamos: somos uma empresa falida, não temos dinheiro e caso estejam realmente interessados terão que pagar antecipadamente”. E foi assim que “financiamos toda a nossa atividade durante 4 a 5 anos”. Nessa altura, o país, também ele, vivia uma crise, com a chegada da Troika e taxas de juros incomportáveis, o que em nada ajudou a alavancar o negócio.






Com as contas equilibradas,  “conseguimos finalmente recuperar o que tínhamos perdido e conseguimos uma regularidade no volume de faturação da empresa”, ou seja, deixamos de ter um pico como o que existia anteriormente, com o mercado escolar, as campanhas de ‘Regresso às  


Aulas’ e os ‘Natais’, que representavam cerca de 40 a 50% da faturação, e passamos a ter uma faturação estável ao longo dos 12 meses do ano.






Os nossos clientes compram aquilo que dificilmente encontram noutro lugar”. E, só posteriormente, estes descobrem os lápis acabando também por os adquirir. “Os artigos de arte e design são uma espécie de ‘Cavalo de Troia’ que cria oportunidades para outros produtos da marca Viarco”, assegura José Vieira. Mais, “eles descobrem e reconhecem que fazemos modelos de lápis muito específicos que podem estar em museus, em hotéis, em eventos, entre outros”, reforça o administrador.

Mas tudo isto não seria possível, também, sem a “criatividade que os artistas aportam”, algo que José Vieira considera ser “muito valioso” e por isso a marca abriu as suas portas aos artistas, partilhando experiências e conhecimento. Como tal, no seu portefólio a Viarco tem hoje em dia múltiplos produtos de design, estojos, sacolas, lápis piões, lápis com afia, lápis aromatizados com essências de flor de laranjeira, jasmim, lírio de campo, peónia, figueira e alfazema. Ainda assim, a marca não esquece o seu passado e disponibiliza também material escolar, reedições e coleções vintage, o clássico e já mencionado lápis da tabuada, caixas de lápis de cor com imagens dos anos 1950 e 1975, assim como, lápis vintage com temas como o código da estrada, o alfabeto, selos ou notas musicais.

Com toda esta experiência, José Vieira conclui que, “se fizermos um bom produto que acrescente valor para o consumidor final real, ele estará disponível para pagar. E, se o produto funcionar para além das suas expetativas, ele próprio o divulga, e essa é a nossa maior publicidade. Nós apostamos em produtos, em projetos e em pessoas, resultando posteriormente em comunicação e em publicidade”.


“NÃO ENTRAMOS EM CONCORRÊNCIA COM NINGUÉM. PROCURAMOS DESENVOLVER MODELOS DE NEGÓCIO COLABORATIVOS”

Empregando diretamente 28 pessoas, a empresa tem também um impacto indireto mais alargado no emprego no concelho através do projeto de Turismo Industrial de São João da Madeira, roteiro que mostra fábricas da cidade em pleno funcionamento e possibilita visitas a dois museus industriais, criando assim outros postos de trabalho, como por exemplo, guias turísticos.

Neste sentido, José Vieira exemplifica, que “num ano pré pandemia recebemos 10 mil visitantes, ficando muito deles a almoçar, a pernoitar e a consumir no concelho. Descobriram e deixaram dinheiro na cidade”. Ou seja, “há toda uma serie de negócios que não pertencem 

ARTIGOS DE ARTE E DESIGN SÃO UMA ESPÉCIE DE "CAVALO DE TROIA" PARA OS PRODUTOS DA VIARCO.

Sem adiantar números, José Vieira indica que a atual realidade da Viarco é diferente da do passado. Atualmente, o mercado externo representa já cerca de 60% da faturação da empresa e o mercado nacional ou outros 40%. Presente nos cinco continentes, a marca conseguiu já um importante destaque em várias geografias, nomeadamente nos Estados Unidos da América (EUA), na Coreia do Sul e no Chile, seguido da Europa (como a Alemanha, França, Inglaterra e Espanha). Israel, Austrália e China, assim como outros, também importam produtos Viarco. Estes mercados, “compram sobretudo produtos originais, como a linha ArtGraf - aguarela de grafite, pó de grafite, lápis de grafite aguarelável, blocos de pigmento prensado de várias cores para desenho e pintura, entre outros. Em suma, “produtos que valem por si”.









"... a marca abriu as suas portas aos artistas, partilhando experiências e conhecimento."




















diretamente à Viarco, mas que se relacionam”. Por outro lado, acrescenta, “uma boa parte das matérias primas necessárias à atividade da Viarco, são de fornecedores locais, como as ferramentas, gráficas, pigmentos, entre outros”.

Para além disso, recebem no seu espaço/atelier artistas em residência. “Alguns vêm de outras zonas do país, outros de outras partes do mundo, e estas pessoas acabam por querer conhecer Portugal. Muitas delas regressam de férias e passam a palavra a outros, o que significa que o contributo para a economia local e até nacional é significativo”. Para além disso, a Viarco apoia ainda imensos projetos, desde de anónimos, associações de pais, forças de segurança, belas artes, pessoas que estão a lançar os seus projetos em terras desconhecidas. Quando questionado como a marca se diferencia da concorrência José Vieira assume “que não quer, nem está em concorrência com ninguém”. “O nosso objetivo é colaborar com toda a gente, sejam empresas do ramo ou de outros setores. O que nos interessa é desenvolver modelos de negócio colaborativos”. Tem a perfeita consciência que os “chineses vendem milhões de produtos”, assim como sabe que “a Caran d’Ache é muito boa”. “Há espaço para todos. Não me importo nada que num estojo de um artista que tenha 100 peças uma seja nossa, isso já é uma vitória”, remata.















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