1 de Novembro de 2023


RUI GUEDES

Di­retor de Vendas das Pá­ginas Ama­relas








A extraordinária oportunidade de errar


É proibido errar

Numa empresa como a Páginas Amarelas que se mantém em atividade há mais de 60 anos, há muitas histórias que vão passando de geração em geração e, mesmo correndo o risco de poderem chegar aos dias de hoje já sem os detalhes apenas conhecidos por quem os viveu, continuam a valer a pena ser contadas.


N

o tempo das listas telefónicas, que deixaram de ser produzidas há já muitos anos, como facilmente se compreende, errar não seria propriamente das coisas mais valorizadas. Sabendo que todas as listas tinham uma vigência de 12 meses, qualquer lapso ali impresso, como uma morada por exemplo, estaria sistematicamente a fornecer uma informação errada a todos os que por ali faziam pesquisas.

Ora conta-se que há umas dezenas de anos um contabilista recebeu um telefonema de uma pessoa muito interessada em comprar… portas. A situação repetiu-se e o contabilista constatou que a sua presença nas listas telefónicas estava na área de atividade errada.

Ficou furioso, com toda a razão, fez uma reclamação algo exaltada e foram analisadas formas de o compensar por este erro, já que não se podiam corrigir os milhares de exemplares impressos e distribuídos. 

Só que ao fim de algum tempo o contabilista, já bastante mais calmo, informou o vendedor da Páginas Amarelas que a situação estava resolvida.

As chamadas telefónicas que recebia eram tantas, que ele decidiu contactar uma empresa que efetivamente produzia portas, fez um acordo para passar a essa empresa os contactos que lhe iam chegando e passou a responder com o ar mais natural do mundo, que sim, nós fabricamos portas!

É desejável errar

A história do contabilista que decidiu começar a vender portas acabou bem, revelou criatividade, capacidade de adaptação perante uma nova realidade completamente inesperada, mostrou ainda como é que uma adversidade pode ser transformada numa oportunidade mas, naquele contexto em que a internet não existia e as listas tinham uma importância extrema, foi uma exceção. O foco tinha que estar em fazer tudo bem feito. Era necessário filtrar, rever e voltar a analisar, para levar a que possibilidade de um qualquer erro fosse praticamente inexistente.

Felizmente as organizações evoluíram para um patamar no qual o erro passou a ser visto de um ângulo completamente diferente e acredito que para isso terá contribuído uma análise de alguns factos históricos, que afinal sempre ali estiveram para deles fazermos o que quiséssemos.

São conhecidos os fracassos de Thomas Edison, a recusa da Decca em gravar os Beatles pois as bandas rock com guitarras iriam deixar de estar na moda, e os negócios falhados de Henry Ford que terá dito que o insucesso era apenas uma oportunidade para recomeçar e fazer de forma diferente e melhor.

Será que progressivamente começamos a ser inundados por frases lapidares que de alguma forma colocaram o erro num pedestal de quase intocabilidade? “Os erros são a porta de entrada para a descoberta"- James Joyce; “A única maneira de evitar cometer erros é não fazer nada” - Confúcio; "Aquele que nunca cometeu um erro nunca tentou nada novo" - Albert Einstein.


Temos em Portugal “O Marketing Mix do erro”, um evento com várias edições e palestrantes de elevado nível, que tem vindo a fazer o seu caminho, e que deixa escrito de forma muito clara que pretende “reforçar e valorizar a importância do Erro no Marketing”.

E que tal… calibrar?

Num mundo com informação a ser disponibilizada às toneladas em cada segundo, nem sempre se consegue ir a fundo nos temas, facilmente se misturam conceitos, atira-se alguma areia para a ventoinha e está criada a confusão.

Se não esticarmos, se não nos agigantarmos, se não incrementarmos o esforço e nos limitarmos a fazer tudo aquilo que já foi feito, jamais iremos saber daquilo que somos realmente capazes e até onde conseguimos chegar. Simplesmente, isto traz consigo mais risco. A revisita a um interessante artigo da HBR lembrava-me que muitas pessoas vivem com medo de errar, alertando que quem não está preparado para falhar, não está preparado para aprender. Muitas vezes uma nova ideia fica na gaveta porque uma falha pode prejudicar a carreira e também porque se joga muitas vezes para não perder em vez de jogar para ganhar, já que “a dor da perda é o dobro do prazer da vitória”.

As pessoas, as empresas e os países carregam os seus legados e condicionam muito do seu futuro em função de acontecimentos passados que não deixam de pairar sobre as suas cabeças. Também por isto, foi interessante ver James Quincey, CEO da Coca-Cola, empresa que protagonizou em 1985 aquele que muitos consideram ser o maior fracasso de marketing do século (lançamento da New Coke) dizer em entrevista que desejava afastar a empresa de uma cultura de excesso de cautela.

Desliguemos então momentaneamente a ventoinha para que a areia possa assentar e se clarifiquem dois detalhes importantes.


#1 -  A Coca-Cola continua, juntamente com a Pepsi, a ser um caso de sucesso planetário, aguentou o impacto, corrigiu rapidamente o  



erro e tudo indica que teve a situação sob controle apesar da revolução que provocou.


#2.”O Marketing Mix do erro” que, já agora, é acreditado pela APPM - Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing, não se fica apenas por aquilo que acima foi dito e esclarece que não promove a cultura do errar “à vontade” mas que, percebendo que o erro faz parte, então não pode ser encarado como um tabu, mas como uma oportunidade de evolução.

Conclusão

Algumas interpretações abusivas associadas a um mediatismo do erro que terá vindo para ficar, não podem ser um cheque em branco para um “vale tudo” leviano que tudo permite e tudo desculpa. Enquanto humanos estamos condenados a errar, mas isso não é em si mesmo nenhum fatalismo mas apenas uma simples constatação, porque afinal, estamos por cá há mais de 2 milhões de anos.

O que deve ser combatido com toda a convicção é a banalização do erro e aquela intelectualidade supostamente muito vanguardista, que parece querer começar tudo do zero, esquecendo todo o conhecimento até hoje produzido. Avançar em todas as frentes sabendo que se vai errar, é altamente ineficiente e produz elevados custos de oportunidade.

O mundo das vendas, mesmo no marketing digital que tem tatuado no corpo a “tentativa e erro”, não se limita a ser uma lista de procedimentos assépticos que vamos percorrendo de forma mecânica. Mesmo os comerciais mais experientes e competentes, vivem dias onde as coisas não correm exatamente como foram planeadas, não conseguem fazer uma análise de necessidades suficientemente exaustiva, não retiram toda a informação relevante para a elaboração de uma boa proposta e não fecham a solução ideal. Noutros momentos já fizeram tudo aquilo bem feito, voltarão para esses elevados níveis de desempenho muito rapidamente, mas a perfeição humana não existe.

O maior divulgador do jazz em 









Portugal, de nome José Duarte, disse num programa de rádio, qualquer coisa do tipo: - No jazz, a primeira nota errada está sempre certa. A segunda, é que pode não estar.

Isto é genial e ao mesmo tempo espantosamente simples, porque por um lado nos mostra que o erro anda sempre por ali a espreitar, mas por outro remete de imediato para a sua rápida correção, ou quem sabe até, anulação.

Vivemos no quinto país da União Europeia com menor produtividade e que está 35% abaixo da média registada nos 27. É pois crítico Planear, Fazer, Errar e Seguir em frente. Isto até podia ser uma sigla, mas jamais do Partido do Fascínio pelo Erro Sistemático.

Vivemos num mundo cheio de oportunidades, em que os fracassos podem estar neste momento a produzir um Thomas Edison aqui na casa ao lado. Mais do que endeusar o erro, devemos pois aprender com ele e ter presente que se errar é humano, acertar também é!

Em cada dia aprendemos um pouco mais a viver com as nossas próprias contradições, com as nossas limitações, com a constatação de que continuamos a tentar mas, para já, sem qualquer vestígio de resignação.

Saibamos pois aproveitar esta extraordinária oportunidade de errar que nos é dada em cada dia, fazendo-o cada vez mais rápido, fazendo-o cada vez melhor.


Newsletter Start&Go