Só que ao fim de algum tempo o contabilista, já bastante mais calmo, informou o vendedor da Páginas Amarelas que a situação estava resolvida.
As chamadas telefónicas que recebia eram tantas, que ele decidiu contactar uma empresa que efetivamente produzia portas, fez um acordo para passar a essa empresa os contactos que lhe iam chegando e passou a responder com o ar mais natural do mundo, que sim, nós fabricamos portas!
É desejável errar
A história do contabilista que decidiu começar a vender portas acabou bem, revelou criatividade, capacidade de adaptação perante uma nova realidade completamente inesperada, mostrou ainda como é que uma adversidade pode ser transformada numa oportunidade mas, naquele contexto em que a internet não existia e as listas tinham uma importância extrema, foi uma exceção. O foco tinha que estar em fazer tudo bem feito. Era necessário filtrar, rever e voltar a analisar, para levar a que possibilidade de um qualquer erro fosse praticamente inexistente.
Felizmente as organizações evoluíram para um patamar no qual o erro passou a ser visto de um ângulo completamente diferente e acredito que para isso terá contribuído uma análise de alguns factos históricos, que afinal sempre ali estiveram para deles fazermos o que quiséssemos.
São conhecidos os fracassos de Thomas Edison, a recusa da Decca em gravar os Beatles pois as bandas rock com guitarras iriam deixar de estar na moda, e os negócios falhados de Henry Ford que terá dito que o insucesso era apenas uma oportunidade para recomeçar e fazer de forma diferente e melhor.
Será que progressivamente começamos a ser inundados por frases lapidares que de alguma forma colocaram o erro num pedestal de quase intocabilidade? “Os erros são a porta de entrada para a descoberta"- James Joyce; “A única maneira de evitar cometer erros é não fazer nada” - Confúcio; "Aquele que nunca cometeu um erro nunca tentou nada novo" - Albert Einstein.
Temos em Portugal “O Marketing Mix do erro”, um evento com várias edições e palestrantes de elevado nível, que tem vindo a fazer o seu caminho, e que deixa escrito de forma muito clara que pretende “reforçar e valorizar a importância do Erro no Marketing”.
E que tal… calibrar?
Num mundo com informação a ser disponibilizada às toneladas em cada segundo, nem sempre se consegue ir a fundo nos temas, facilmente se misturam conceitos, atira-se alguma areia para a ventoinha e está criada a confusão.
Se não esticarmos, se não nos agigantarmos, se não incrementarmos o esforço e nos limitarmos a fazer tudo aquilo que já foi feito, jamais iremos saber daquilo que somos realmente capazes e até onde conseguimos chegar. Simplesmente, isto traz consigo mais risco. A revisita a um interessante artigo da HBR lembrava-me que muitas pessoas vivem com medo de errar, alertando que quem não está preparado para falhar, não está preparado para aprender. Muitas vezes uma nova ideia fica na gaveta porque uma falha pode prejudicar a carreira e também porque se joga muitas vezes para não perder em vez de jogar para ganhar, já que “a dor da perda é o dobro do prazer da vitória”.
As pessoas, as empresas e os países carregam os seus legados e condicionam muito do seu futuro em função de acontecimentos passados que não deixam de pairar sobre as suas cabeças. Também por isto, foi interessante ver James Quincey, CEO da Coca-Cola, empresa que protagonizou em 1985 aquele que muitos consideram ser o maior fracasso de marketing do século (lançamento da New Coke) dizer em entrevista que desejava afastar a empresa de uma cultura de excesso de cautela.
Desliguemos então momentaneamente a ventoinha para que a areia possa assentar e se clarifiquem dois detalhes importantes.
#1 - A Coca-Cola continua, juntamente com a Pepsi, a ser um caso de sucesso planetário, aguentou o impacto, corrigiu rapidamente o
erro e tudo indica que teve a situação sob controle apesar da revolução que provocou.
#2.”O Marketing Mix do erro” que, já agora, é acreditado pela APPM - Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing, não se fica apenas por aquilo que acima foi dito e esclarece que não promove a cultura do errar “à vontade” mas que, percebendo que o erro faz parte, então não pode ser encarado como um tabu, mas como uma oportunidade de evolução.
Conclusão
Algumas interpretações abusivas associadas a um mediatismo do erro que terá vindo para ficar, não podem ser um cheque em branco para um “vale tudo” leviano que tudo permite e tudo desculpa. Enquanto humanos estamos condenados a errar, mas isso não é em si mesmo nenhum fatalismo mas apenas uma simples constatação, porque afinal, estamos por cá há mais de 2 milhões de anos.
O que deve ser combatido com toda a convicção é a banalização do erro e aquela intelectualidade supostamente muito vanguardista, que parece querer começar tudo do zero, esquecendo todo o conhecimento até hoje produzido. Avançar em todas as frentes sabendo que se vai errar, é altamente ineficiente e produz elevados custos de oportunidade.
O mundo das vendas, mesmo no marketing digital que tem tatuado no corpo a “tentativa e erro”, não se limita a ser uma lista de procedimentos assépticos que vamos percorrendo de forma mecânica. Mesmo os comerciais mais experientes e competentes, vivem dias onde as coisas não correm exatamente como foram planeadas, não conseguem fazer uma análise de necessidades suficientemente exaustiva, não retiram toda a informação relevante para a elaboração de uma boa proposta e não fecham a solução ideal. Noutros momentos já fizeram tudo aquilo bem feito, voltarão para esses elevados níveis de desempenho muito rapidamente, mas a perfeição humana não existe.
O maior divulgador do jazz em