Em jeito de advertência inicial, o presente artigo irá descrever, sumariamente, algumas situações reais, que o seu autor vivenciou na sua actividade profissional. Pretende-se analisar um conjunto de ideias e rebater alguns pressupostos e conclusões que se foram disseminando, generalizando e consolidando junto do público, em particular no meio empresarial. Observa-se, contudo que, por questões éticas e de sigilo profissional, não serão feitas referências ou indicações a identidades concretas de pessoas ou empresas.
Partindo-se do entendimento inicial de que a "Propriedade Industrial" é formada por uma panóplia de Registos previstos na lei. Sendo que estes Registos podem ser, nomeadamente, de Marcas, de Logótipos, de Patentes, de Desenhos ou Modelos - apenas para se apontar alguns dos mais importantes e utilizados. Aqueles Registos, quando são concedidos, conferem ao respectivo titular um direito de uso com carácter exclusivo e que abrange certos objectos/realidades com um potencial valor económico e cariz empresarial, que não se deve menosprezar.
Note-se,
desde logo, que a concessão de cada tipo
de Registo está sujeita a requisitos iniciais próprios, estando a validade de cada Registo dependente do seu
cumprimento, à data daquela concessão. Em diversos tipos de Registos, no
entanto, aquela validade apenas é verificada em concreto à posteriori,
ao contrário do que muitos titulares pressupõem erradamente.
Contudo
e independentemente disto, em Portugal, atualmente, existe sempre uma fase de
publicidade, de forma a permitir a reação por parte de outros
interessados/concorrentes.
Neste seguimento, quando e se houver lugar à concessão do Registo pretendido, passa-se então a presumir a sua validade, enquanto não for posta em causa, com base em certos motivos específicos, muitas vezes, muitos anos mais tarde.
Obtido
o Registo, o titular atinge uma posição,
legalmente salvaguardada, e que lhe permite posicionar-se no mercado (onde
obteve aquele Registo) de forma única e
exclusiva. Este posicionamento único permitirá ao titular desenvolver a sua
atividade, fabricar e comercializar o seu produto ou prestar o seu serviço,
afirmando-se no mercado com maior sucesso e daí retirando maiores benefícios.
No entanto, note-se, o Registo não é,
por si só, a chave do sucesso empresarial, ao contrário da percepção que
muitos interessados têm.
Mas,
então, como se deve encarar a obtenção do Registo? O Registo não é o fim de um caminho, mas sim o princípio de um
trajecto empresarial, que se pretende competitivo e concorrencial. Deve,
portanto, ser visto mais enquanto um pilar
base importante para a construção de uma estratégia competitiva e com
sucesso, formando uma peça relevante de um puzzle em que se decompõe aquela
estratégia.
Por outro lado, realce-se o facto de que o Registo tem uma certa duração - variável e dependendo de cada tipo de Registo obtido - e, portanto, ao longo do tempo, não há que descurar as questões relativas à sua validade (já acima referida), à gestão, manutenção e ainda à sua defesa.
Com
as devidas adaptações e diferenças e se nos é permitida a comparação, quando se
detém o Registo de uma propriedade ou de outro imóvel, tal facto não é sinónimo
de, por si só, nada mais haver a fazer. De facto, ao longo do tempo, será
sempre necessário que se adotem um conjunto de diligências de manutenção e
conservação, por exemplo de limpeza da
propriedade, e ainda diligências de defesa do património, nomeadamente quanto à
segurança e a sua inviolabilidade, por ex. colocando-se um alarme.
Da
mesma forma, também neste tipo de Registos da Propriedade Industrial, não é possível, pelo simples facto de se obter um, acreditar-se que é suficiente para
se estar descansado. Ora, esta percepção - de que obtido o Registo está
tudo terminado - é uma perspectiva que se generalizou, embora não seja a mais
adequada, como acima já se vislumbrou e adiante melhor se mostrará.
Contudo,
deve realçar-se que, em Portugal, na Propriedade Industrial, o princípio é o de que o Registo é o requisito indispensável para se
obter o direito de exclusivo, sendo portanto extremamente importante.
A seguir, iremos abordar rapidamente alguns casos reais em que surgiram desagradáveis surpresas, que podiam ter sido evitadas ou, pelo menos, prevenidos/mitigados alguns dos seus riscos:
1. No campo das Marcas
a) Desde
logo, há quem parta do pressuposto que um Logótipo
ou uma Marca têm a mesma função. Será assim?? - Não é. Desde logo, constituem
dois tipos diferentes de Registo para usos diferentes e, para além
disso, o Registo de Logótipo não tem o mesmo reconhecimento da Marca em termos
internacionais. Por outro lado, existem diversas
diferenças com repercussões práticas relevantes a separar estes dois Registos
- escusamo-nos de as enumerar, dada a sua complexidade e não constituir
propriamente o tema deste artigo.
b) Um
outro caso, tem a ver com a circunstância de que, a partir do momento em que obtém o Registo, o titular da Marca parte do pressuposto de que pode utilizá-la como bem
entende, podendo mesmo não a usar em
todos os produtos ou serviços que constam no registo. - Podemos concluir
que está correcto? Não, propriamente. O uso
de uma Marca deve cumprir certos requisitos e exigências previstos na lei e
o seu não uso, em certos casos e
circunstâncias e ultrapassado certo período, pode conduzir mesmo à perda da Marca. Sim, de facto, um Registo
pode caducar, preenchidos certos requisitos e tendo havido uma diligência
prévia de um terceiro interessado.
c) Uma
outra situação, relacionada com o surgimento do Registo da Marca Comunitária (atualmente, designada por Marca da
União Europeia), a partir daí, disseminou-se a ideia de que o Registo de Marca em Portugal ou diretamente
noutros países da União Europeia, passou a ser desnecessário e estaria em vias
de extinção. - Será adequada esta conclusão? Aqueles que assim acreditavam,
muitos deles mudaram certamente a sua
opinião, entretanto, a partir do momento em que fizeram o pedido de Registo de Marca
Comunitária e foram confrontados depois com
uma Reclamação/oposição, deparando-se com um processo moroso e complexo que, em caso de insucesso total, conduz à
recusa total da Marca Comunitária.
2. Em matéria de Patentes
a) Outra
situação, agora relativa à protecção da solução técnica, através de Patente, com
requisitos muito específicos, diz respeito à circunstância de muitos
interessados, conhecedores do mercado onde pretendem proteger a solução, partirem do pressuposto que, não havendo
nada nesse mercado, igual ou semelhante, será suficiente para se obter a
Patente, pelo menos, nesse mercado. - Será segura esta conclusão? Poderá não
ser assim. Desde logo, muitas Patentes válidas,
mas, por qualquer razão, nunca chegaram ao mercado. Para além disso, um dos
requisitos da protecção é a novidade
e esta é analisada, normalmente, de forma muito mais abrangente, isto é, não apenas no mercado pretendido, mas atendendo
a toda a informação técnica disponível em termos mundiais - o chamado
estado da técnica, que compreende aquele conjunto de conhecimentos técnicos já
acessíveis a um especialista nas áreas técnicas em questão. Portanto, ser
nova num mercado, pode não ser suficiente.
b) Um outro caso, respeita à preparação adequada do pedido de Patente, partindo-se do pressuposto de que o(s) inventor(es) sendo o(s) que melhor conhece(m) a solução, são, por conseguinte, aqueles que se mostram melhor capacitados para aquela preparação. - Será correcto este pressuposto? Não acreditamos. Sem qualquer menosprezo pelo papel indispensável do(s) inventor(es) naquela preparação, a redação do pedido de patente envolve também a experiência e conhecimento técnicos muito específicos e especializados, de técnicos especialista em redigir patentes. Acreditamos que a redacção adequada deve incumbir, desde o seu início, a um técnico especialista na redacção de pedidos para o sector técnico em questão. Para cada sector, o respetivo pedido de patente apresenta características e formalidades particulares a atender, sob pena de se prejudicar irremediavelmente o sucesso do pedido.
3. No caso de Design (Desenhos ou Modelos)
a) A
protecção do Design, por Desenhos ou Modelos, como salvaguarda do aspeto estético exterior do produto,
lato sensu, é mais um caso que suscita alguns entendimentos e conclusões, no
mínimo, desadequados. Como já escrevi num artigo anterior, a falácia do número de diferenças é um
exemplo. Com efeito, perpassa, desde há muito, pelo menos no círculo empresarial,
a ideia (errada) de que é suficiente um
modelo ter x número de diferenças para se considerar que estamos perante um
modelo diferente. Ora, segundo a legislação comunitária e nacional, não
é assim que se analisa e compara dois modelos, prevendo-se critérios como a
"impressão global" e o "utilizador informado"
que se aplicam a cada situação concreta. Portanto, mais uma ideia falaciosa que
conduz os interessados a entendimentos e decisões inadequados.
b)
Para concluir esta enumeração não exaustiva de situações reais, surge-nos ainda
a aquela em que se parte do pressuposto que a obtenção do Registo do Desenho ou Modelo é o resultado do exame prévio
dos requisitos de protecção pelo Instituto competente. - Será mesmo assim?
Não, de todo. A realidade é que, cada
vez menos, os Institutos procedem àquele exame. Em Portugal, o Instituto
deixou de o fazer, por iniciativa própria, desde 2008, justificando-se este fim
no facto de que, por muito aprofundado que fosse tal exame, em termos de Design,
este nunca seria completo e nunca se conseguiria a verificação adequada dos
respectivos requisitos de Registo. Portanto, por princípio, deixou-se de fazer qualquer exame. No entanto,
note-se, é importante que o requerente do pedido saiba que, mesmo depois de
ser concedido o Registo, este poderá ser invalidado posteriormente, caso
alguém venha a reagir recorrendo os meios previstos legalmente.
Em
jeito de conclusão, foram então acima apresentados alguns exemplos reais em que
se evidenciaram um conjunto de ideias, pressupostos e conclusões, que não se
encontram conformes com a realidade e que conduzem, muitas vezes, a decisões desadequadas e pouco eficientes.
Não se pretendendo julgar em causa própria, no entanto, consideramos ser relevante um aconselhamento técnico e preparação prévios por técnicos especializados nestes domínios, com vista à elaboração e realização de uma estratégia empresarial própria e adequada às necessidades e objectivos de cada empresa ou empresário.