A toda a volta podia ver milhares de tsurus coloridos de papel. O tsuru (conhecido no ocidente como cegonha ou grou) é uma ave muito antiga que habita o planeta há mais de 6 milhões de anos. É o símbolo do Origami, a arte milenar japonesa de dobrar papel. Segundo a lenda, quem receber um tsuru de presente recebe também um profundo desejo de felicidade, vida longa e gratidão.
Dentro deste monumento, há um espaço para os milhares de tsurus feitos de papel de todas as cores, que as pessoas de todo o Japão, e do mundo, enviam como um gesto poderoso de preocupação, devoção e amor. No topo do pedestal está a escultura de uma jovem menina que segura um tsuru nos braços estendidos: Sadako Sasaki. É a história desta menina que quero partilhar.
Quando lançaram a bomba atómica em Hiroshima, Sadako Sasaki tinha quase dois anos. Conseguiu fugir com a mãe e o irmão mais velho, aparentemente ilesos. No entanto, na fuga, foram encharcados pela chuva preta radioativa que caiu ao longo do dia.
Até aos doze anos, Sadako tinha os hábitos de uma criança saudável. Estudava, brincava e comportava-se como as outras crianças do colégio. Tinha a particularidade de gostar muito de correr e ganhou várias provas. A certa altura, começou a sentir tonturas, mas achou ser uma consequência normal do exercício.
No entanto, um dia sentiu-se tão mal que caiu e ficou estendida no chão. Levaram-na para um hospital da Cruz Vermelha e verificaram que Sadako estava com leucemia. Entretanto, outras crianças de Hiroshima começaram a apresentar os mesmos sintomas, decorrentes da radiação recebida pela descarga da bomba. Quase todos morriam. Sadako, hospitalizada, ficou assustada...
Numa visita ao hospital, a sua melhor amiga contou-lhe a lenda dos pássaros: esta lenda dizia que quem fizer mil tsurus, com o pensamento focado naquilo que deseja alcançar, terá bons resultados. Sadako resolveu então fazer mil tsurus!
Como refere Eleanor Coerr, que escreveu um livro infantil sobre a persistência de Sadako, a menina sem se zangar com a sua situação, ou desistir, prosseguia dobrando lentamente: “Eu escreverei paz nas tuas asas e tu voarás pelo mundo inteiro”. Infelizmente, enfraquecida, Sadako não teve força para dobrar os mil pássaros, e em 25 de Outubro de 1955, rodeada pela família, montou o seu último tsuru e adormeceu pela última vez...
Todos ficaram tão admirados com a sua determinação, e paciência até ao fim, que os seus colegas de turma dobraram os pássaros que faltavam para que fossem enterrados com ela.
Apesar do final triste, a história de Sadako é uma lição sobre esperança e persistência, mostra como devemos respeitar a força das crianças e pensar melhor no mundo que estamos a criar para elas. Sadako deixou muitas saudades nos seus colegas, que, sensibilizados, queriam poder fazer alguma coisa pela sua memória. Resolveram iniciar uma campanha para construir um monumento em sua homenagem e de todas as crianças feridas ou mortas pelo efeito da bomba. Alunos de 3100 escolas japonesas e de nove outros países fizeram doações para criar este monumento. Na sua base estão gravadas as seguintes palavras: ‘Este é nosso grito, esta é nossa oração: PAZ NO MUNDO’.
Quando fui ao Senegal, viajei por todo o país com um senegalês, o Souleymane. Este jovem dizia-se, em tom brincalhão, um "muçulmano de esquerda", pois não seguia os rigores e a austeridade da sua religião, o que nos permitiu beber juntos umas cervejas em entardeceres inesquecíveis. Era, além disso, muito amigável e generoso e, desta forma, tornamo-nos rapidamente amigos, pois partilhámos a intensidade da viagem e trocamos histórias de vida com o mesmo sentido de humor.
Voltarei a falar do Souleymane neste espaço. Hoje, lembrei-me de uma resposta que me deu e que me deixou a pensar: certo dia, estávamos a passear pelas ruas da envelhecida, e muito bonita, cidade de Saint-Louis, localizada a 320 Km a norte de Dakar, quando começo a reparar que quase todos os telhados das casas tinham telhas partidas ou buracos. Sabendo que este país podia ser fustigado por chuvas fortes, perguntei ao Souleymane:
- " As casas têm imensos buracos. Quando chove, deve ser terrível. Entra imensa água, não?"
Calmamente e sem abrandar o passo, ou sequer olhar para mim, respondeu, como se a pergunta fosse irrelevante:
- " Sim, a água entra... e depois sai!"
Fiquei a pensar na forma excessiva como, por vezes, reagimos aos "problemas" no conforto do nosso 'primeiro mundo'...