7 de Fevereiro de 2024




RUI GUEDES

Di­retor de Vendas das Pá­ginas Ama­relas



"Silêncio"
Uma Experiência transformadora


ACELERAR



V

endas, pessoas, trabalho, Clientes, necessidades, propostas, apresentações, objetivos, resultados, Equipas, desafios, negociação, influência, superação, paixão, flexibilidade, projetos, soluções, compromisso, reinvenção, celebração, criatividade, jornada e aprendizagem, poderiam ser apenas palavras soltas, uma lista aleatória, restos de umas quaisquer palavras cruzadas, mas em abono da verdade são muito mais do que isso.

Para quem está em Vendas, já foi confrontado, ou não tarda nada vai ser, com todos estes vocábulos e em situações sempre diferentes.

Já terei perdido a conta às vezes que digo que adoro isto! É um mundo apaixonante no qual nos envolvemos, onde percebemos que temos que nos superar dia a dia, mês a mês, ano a ano e década a década. É um mundo onde essa superação nos realiza, por via dos objetivos que atingimos e pela consciência de que estamos a entregar algo que os Clientes valorizam. É um mundo onde estamos sempre conectados com as nossas Equipas, os nossos parceiros, os nossos Clientes e no qual estão sempre a surgir novidades. É um mundo no qual sabemos ser muito pequenos diante de tanta incerteza e volatilidade, mas onde não abdicamos de fazer aquilo que nos cabe em cada dia pois, com saúde, as desculpas de que o vento está contra soam sempre a justificações de quem não chegou à meta.


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A experiência que aqui relato, resume-se a um intenso período de apenas 4 dias, sendo que tudo o que se passou daria para escrever um livro. A ideia de um retiro num local remoto estava por aqui a pairar há mesmo muitos anos...

Em vendas, além de termos histórias infindáveis para contar que nos enriquecem e fazem crescer, criamos futuro todos os dias, porque novos episódios surgem, novos Clientes surgem, novos desafios surgem e nós cá estamos com o entusiasmo de sempre e a pulsação a 55 bpm para lidar com eles. Apesar de ouvir muitas pessoas dizer que enlouqueceriam facilmente se fizessem disto um modo vida, que ficariam muito ansiosas se todos os meses o contador ficasse a zero para começar novamente a vender, vejo longas carreiras nesta área, mesmo em setores de atividade altamente competitivos, em que os profissionais se sentem felizes e ficariam perto da loucura se tivessem que estar sentados numa secretária 5 dias por semana a fazer qualquer outra coisa.

Apaixonamo-nos pelo que fazemos, gostamos desta agitação, envolvemo-nos, superamo-nos, somos duros, aprendemos como que a gostar deste cheiro a pólvora e não é fácil deitarem-nos abaixo. No meio desta adrenalina, não ficaremos porventura inebriados, e não correremos o risco de seguir a uma velocidade excessiva que nos possa atirar para fora da estrada na próxima curva? Colocando a questão de outro modo:

- Teremos noção se há necessidade de fazer alguma paragem para reabastecimento?

Bem… Temos férias! Temos adicionalmente um conjunto de atividades paralelas que vão do desporto à música e da leitura à escrita, temos a meditação, os amigos e a família como pilares fundamentais da nossa vida e temos a consciência da necessidade de… desfamíliarizar. Confesso que nunca senti ter estado perto de um abismo e, sem ter qualquer ambição desmedida, acredito que temos que ir esticando as nossas metas até porque isso também é fonte de satisfação. É bom desfrutar do vento no rosto, sentir no corpo a aceleração, olhar de soslaio para as ravinas, sempre agarrado ao volante e com a noção de que temos a situação sob controle. Pelo meu lado, posso dizer que tenho tido sorte

porque até hoje não me senti perto de nenhuma situação limite, mas a pergunta mantém-se, ainda que possa ser sucessivamente reformulada:

- Será que nós percebemos exatamente o momento em que um esforço adicional é fatal?

PARAR

Imaginem por um instante que existia um local tranquilo, longe de tudo, onde vos recebiam com um ar genuinamente feliz, onde não vos pediam qualquer identificação, onde não havia check in, onde não era necessário cartão de crédito e não surgia qualquer documento para assinar. Imaginem ainda que vos indicavam um quarto, vos serviam diariamente refeições e vos faziam sentir bem vindos. Imaginem por fim que, após uma estadia memorável, não vos cobravam nada, após insistência vos diziam que deixasse então o valor que entendesse, vos desejavam felicidades e vos pediam que voltassem.

Podem parar de imaginar, porque esse lugar existe no planeta em que todos habitamos. 

A experiência que aqui relato, resume-se a um intenso período de apenas 4 dias, sendo que tudo o que se passou daria para escrever um livro. A ideia de um retiro num local remoto estava por aqui a pairar há mesmo muitos anos, mas o momento certo acabava por não chegar porque agora era férias, agora era isto e depois era aquilo e portanto só vi uma forma eficaz de tratar deste assunto: 

- Definir objetivos SMARTIES e avançar!

A primeira sensação que nos invade ao chegar é de uma calma que sempre parece ter vivido ali. Neste Mosteiro, vemos felicidade nos olhos de quem nos recebe, sentimos uma paz autêntica e testemunhamos uma gentiliza espontânea que não percebemos de onde nasceu. Ao fim de apenas um dia a sensação é de que estamos ali há um mês e, mesmo agora, tentando colocar alguma racionalidade no que se passou (se é que é possível, se é que faz algum sentido e se é que tem alguma utilidade) há uma contradição que não

consigo perceber. O tempo desacelera, os dias são grandes, acontece imensa coisa, parece haver um tempo infinito para meditar, para escrever, não se vê ninguém apressado, mas há uma disciplina nos horários que está interiorizada e é escrupulosamente cumprida.

Acordar diariamente quando o Sol ainda não nasceu e ter um primeiro momento de partilha é algo revigorante. Sentir que nos dão um bocadinho daquele espaço que não é nosso, ouvir aquelas vozes inacreditavelmente afinadas e algo etéreas transporta-nos para uma outra dimensão e somos invadidos por uma alegria inexplicável. Ainda ali voltaremos antes da primeira refeição que será servida por volta das 7 horas, mas antes disso temos tempo para respirar ar puro, caminhar sem pressa enquanto vemos o Sol a querer ir despontando por detrás das montanhas. Olhar o horizonte lentamente e ter uma visão de 360 graus, confirma que estamos mesmo num local afastado do bulício das cidades, já que não se vislumbra uma única obra humana.

Concluí rapidamente que era o único hóspede daquele Mosteiro. Como as refeições não eram partilhadas com quem ali estava em clausura, foi-me delicadamente indicado o local para onde me deveria dirigir aquando das refeições. Acabei de tomar o pequeno almoço e segui escrupulosamente as indicações escritas que diziam para, assim que terminasse cada refeição, colocar tudo num pequeno carrinho de cozinha e ir buscar aos armários o que necessitasse para deixar já pronta a mesa para a refeição seguinte.

E a magia lá ia acontecendo. Sempre que se aproximava a hora, chegava à sala e lá estava tudo pronto para me poder servir. Havia sempre um prato quente, havia sempre fruta na mesa e um frigorifico bem abastecido. Até que ao terceiro dia chego à sala e vejo na minha mesa tudo pronto para servir duas pessoas. Por uma questão de delicadeza, porque assumi que numa sala com tantos lugares alguém tivesse decidido que iria jantar comigo, regressei ao pátio e esperei.




Passados alguns minutos aproximou-se de mim um dos anfitriões com quem já tinha falado antes e perguntou-me, com aquele já habitual ar de felicidade, se eu via algum inconveniente em partilhar a mesa com um hóspede que tinha acabado de chegar. Respondi que tinha todo o gosto em fazer uma refeição acompanhado e confirmei então que era mesmo o único leigo naquele local. Estavam no mosteiro pessoas de pelo menos 3 ordens diferentes, visível pela forma como estavam vestidas, e este homem com quem comecei a conversar como se conhecesse há 10 anos, tinha também outra origem e isso reforçou ainda mais o acolher que ali se sente. Tínhamos tanto para dizer, que após o caloroso 


jantar caminhámos demoradamente pela quinta a falar de livros, do mundo, da fé, da família, de muitas dúvidas, de poucas certezas e de algumas coisas bem básicas que serão estruturantes da natureza humana e por isso mesmo transversais a países, culturas e gerações. Aprendi muito com este jovem aparentemente vulgar.

Esta estadia foi a emersão numa realidade verdadeiramente extraordinária, desde logo porque se percebe que existe ali a coragem de fazer diferente. Estas pessoas rejeitam uma existência centrada na acumulação e paradoxalmente fortalecem-se ao dar tanto, sem nada ter. Há ali muito trabalho diário, há leitura, há oração, há uma energia sempre presente e é 

evidente a aposta numa vida radical. Eu estive ali alguns dias, mas estas pessoas entregaram-se, vivem assim há anos e muito provavelmente viverão para sempre ali, pois as idades variavam entre os 30 e os 85 anos.

Por fim o silêncio. Estar alguns dias sem um laptop, sem notificações, sem interrupções, sem urgências, sem entrar dentro de um automóvel, sem televisão, sem rádio, sem restaurantes, sem barulho, é por si só um exercício que nos arranca para fora de uma realidade com automatismos que, neste contexto, pura e simplesmente são desligados. Dir-me-ão alguns que isto se consegue numas férias num local paradisíaco à beira mar, certo? Errado! A intensidade da experiência não tem nada a ver com 

férias, não tem nada aver com paisagens luxuriantes, não tem nada a ver com um mar transparente de águas calmas e mornas e não tem nada a ver com bronzeados nem com sunsets…

A rutura com a infinidade de estímulos que estamos habituados a receber diariamente é brutal e ainda que eu não saiba se o silêncio absoluto existe, pois no limite teremos como companhia os batimentos do nosso coração, há momentos em que senti que estive perto desse absoluto. Nestas circunstâncias era inevitável lembrar-me da “janela de johary” e sentir que alguns daqueles quadrantes se puderam expandir um pouco mais. 

Quanto melhor nos entendemos, porventura maior será a nossa autoconfiança, e aquelas experiências propiciam de facto um aprofundar da autoconsciência, mostrando-nos com maior autenticidade quem somos nas nossas fraquezas e nas nossas forças.

Saímos dali a respeitar ainda mais a diferença, a interiorizar que há vidas muito peculiares e que há pessoas que fazem do mundo um local melhor. Saímos dali a perceber melhor os nossos limites, revigorados e a sentir que podemos fazer mais. Saímos dali com uma vénia aos que optam por uma vida de clausura, pois dão-se e provam poder fazer muito por quem está do lado de fora daqueles muros.

REGRESSAR

Estalemos agora os dedos, acordemos deste sonho e regressemos ao nosso mundo! 

Num artigo publicado pela McKinseys’s recomenda-se que aprendamos a praticar a calma deliberadamente e são deixadas 4 pistas de como o fazer. Parar e avaliar quais as situações que requerem uma ação imediata. Respirar de modo a acalmar o corpo. Ter presente que em situações de tensão o nosso corpo se prepara para lutar ou fugir ainda que por vezes fique imobilizado; talvez se possa procurar um equilíbrio num meio termo que envolva movimento mas sem fuga ou luta. Por último, desacelerar colocando perguntas aos outros e a nós próprios, escutar, refletir e aprender com isto.

Atenção. Estamos de regresso e convém não cairmos numa qualquer ingenuidade conveniente, pois aquilo que temos que fazer, ninguém vai fazer por nós. Voltemos à pista revitalizados através de mais este caminho percorrido, valorizando de forma crescente coisas tão simples como o silêncio, que num qualquer processo de venda, e não só, revela ser de uma importância extrema.

É possível que, chegados aqui, algum leitor diga qualquer coisa do tipo:

- Ok, já percebi a mensagem e onde é que fica então esse lugar?

Bom…, em primeiro lugar, não vim de lá com nenhum sermão encomendado. Depois, não se trata de um local de acesso público que se possa recomendar aos amigos. Adicionalmente esta é uma experiência eminentemente pessoal e por fim, se algum interesse existir, isto é algo que deve ser procurado e encontrado por cada um, pois não há receitas mágicas que possam ser replicadas. Não nos deixemos distrair com aspetos secundários.

Estamos novamente por cá altamente energizados, temos no próximo mês outra vez o contador a zero e isso… é fantástico!


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