30 de Abril de 2025


RUI GUEDES

Di­retor de Vendas das Pá­ginas Ama­relas





Liderança em Vendas


Recordo-me de estar a participar num, já longínquo, workshop sobre Liderança e de em determinado momento o formador ter pedido para que cada um de nós dissesse o nome de um líder. O exercício foi seguindo o seu rumo, surgiram os nomes de Churchill, Gandhi, Luther King e quando chegou a minha vez avancei com o nome de Hugo Berto. Antes que alguém arriscasse que se tratava de um imperador romano e para acalmar os evidentes olhares de estranheza, apressei-me a dizer que se tratava de um “simples” professor.


C

oube-me estão explicar que foi meu professor numa escola de música, que fundou essa mesma escola e que era uma pessoa que ensinava com competência, mas sobretudo inspirava os que com ele se cruzavam. Criou um local único, cheio de cor e magia, uma escola onde “por acaso” até se aprendia música, mas aprendia-se sobretudo a crescer em liberdade. Respirava-se em cada canto uma energia contagiante, e era tão comum ver um aluno a estudar afincadamente para uma prova importantíssima, como ver na sala ao lado um grupo a tentar tirar nota a nota, acorde a acorde, aquela música que todos queriam saber tocar. Viam-se os alunos do ballet a correr graciosamente para a aula que estava a começar, ouviam-se vozes a cantar algo que definitivamente não fazia parte do programa oficial e escutava-se alguém a tentar sacar tudo aquilo que um sintetizador lhe podia dar.

 

 


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Liderança está pois muito mais ligada ao impacto e à influência, do que a estar à frente de um exército com milhares de pessoas.

Comecei a perceber que não iria ter capacidade de transmitir uma ínfima parte de tudo o que naquela escola se sentia, mas não foi por falta de perseverança. Falei-lhes de espetáculos, de palcos, de luz e bastidores, falei-lhes de descoberta, de alegria e sobretudo valores. Falei-lhes de alunos que são hoje músicos com carreiras de sucesso em Portugal e no estrangeiro, disse-lhes que se disputavam lugares para poder ajudar a transportar instrumentos para um sarau no Coliseu, falei-lhes de um sentido de pertença inabalável e do facto do ano letivo terminar e das pessoas continuarem a querer estar por lá.

Esta experiência na qual tive o privilegio de participar enquanto aluno, foi fruto de uma liderança pelo exemplo, de um acreditar que se estava a construir algo bom e diferente, de uma dedicação sem limites e do trabalho consistente desenvolvido por um homem determinado ao longo de anos e anos. Aquilo que no tal workshop tentei dizer, é o mesmo que hoje tentarei aqui deixar e que passa por uma convicção que me persegue há muito tempo. Um líder pode ser fruto das circunstâncias, pode ter nascido com um conjunto aptidões altamente distintivas, pode ser alguém com um carisma arrebatador, mas pode ser também uma pessoa dita “normal” que está determinada a seguir um rumo, que se desenvolveu e na sua esfera de ação criou algo, mobilizou vontades, ultrapassou muitos obstáculos, teve impacto nos que o rodeavam e deixou marcas indeléveis que, por vezes não são devidamente valorizadas no momento, mas que acabam por ganhar maior preponderância com o tempo.

São muitos os desafios da liderança e há obviamente um conjunto de “habilidades” que deverão estar presentes para os conseguir enfrentar. Mais do que abordar estilos de liderança, mencionar autores de referência ou refletir sobre se se nasce líder ou não, decidi selecionar um conjunto de palavras que, de alguma forma, retratam essas importantes habilidades e dar-lhes suporte através de casos reais.




ATITUDE / VISÃO / ENERGIA

Quanto à Atitude, Visão e Energia o caso acima relatado fala por si, pois estava lá tudo, incluindo o foco no essencial, iniciativas alinhadas com a visão e uma liderança pelo exemplo que não tem subjacente todos terem que fazer o mesmo, mas terem pelo menos a vontade de beber do líder uma forma de estar que se vai positivamente espalhando. Poder-se-á dizer que este primeiro caso não está diretamente ligado a Vendas, mas talvez nunca venhamos a saber se não esteve aqui a origem, de uma forma muito natural e genuína, de um negócio que se desenvolveu e prosperou com inegável sucesso.

COMUNICAÇÃO / CONFIANÇA / BEM-ESTAR

Quando entrei como vendedor para a Xerox, o procedimento que estava instituído passava por termos um contrato de 6 meses e ao fim desse tempo, ou passávamos a efetivos ou muito provavelmente íamos embora. Estava agora a organizar alguns arquivos antigos e encontrei um papel assinado pelo meu chefe da altura que, ao fim de apenas 3 meses de trabalho, me informava que assim que se concluíssem os 6 meses eu ficaria efetivo na empresa. A capacidade dele transmitir uma ideia forte, a forma como se adaptou ao destinatário, o peso daquela assinatura e a confiança depositada, misturaram-se sabiamente entre um bem-estar necessário e uma responsabilidade que não se pode deixar de assumir.

DESAFIO / APERFEIÇOAMENTO / MONITORIZAÇÃO

Numa sexta feira ao fim do dia, os vendedores já estavam praticamente em modo de fim de semana a tratar de uns reportes, o meu chefe saiu do gabinete e já na sala de vendas disse qualquer coisa do tipo: - Um jantar para duas pessoas num restaurante xpto para o próximo que fizer uma venda! Gerou-se alguma agitação, lembro-me que peguei no meu pipeline liguei para um Cliente a quem tinha feito uma proposta de um pequeno equipamento








e com 1 ou 2 argumentos o Cliente fechou e confirmou naquele momento o negócio. Ganhei de facto o jantar, talvez até tenha recebido os parabéns, mas o que me ficou disto foram as perguntas que me foram feitas a seguir: Porque é que aquela venda só foi feita quando havia um prémio para disputar? Porque é que eu já não tinha fechado este negócio antes? Será que se eu contactasse o Cliente para a semana ele já não teria comprado à concorrência?

DELEGAÇÃO / AUTONOMIA / DIVERSIDADE

Tinha entrado há pouco tempo na atual Sumol+Compal e quando pensei que tudo estava a começar em termos de formação, fui informado pelo meu chefe que o ideal seria eu ir até a Aveiro para conhecer pessoalmente a Equipa pela qual seria responsável. Perguntei-lhe se iria comigo para me apresentar às pessoas, até porque isso supostamente me daria algum ascendente para começar com alguma autoridade, mas ele respondeu-me que não era necessário. Deveria ser eu a tratar disso e se necessitasse de alguma coisa ainda estava lá o atual Chefe de Vendas, que entretanto se iria reformar, e portanto ele faria as honras da casa. Confesso que na altura não vi aquela atitude do meu chefe como nada positiva, pois senti que fui atirado aos leões, não fazia ideia de quem ia encontrar e havia o risco de não ter uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão, desde logo porque me ia encontrar com a 1ª Equipa que eu iria liderar. Hoje, olho para aquele episódio com alguma distância e vejo a capacidade que ele teve de me dar autonomia, de me levar a ser confrontado com situações muito diferentes e realidades diversas, diversidade esta a que hoje mais organizações prestam atenção, mas que, na altura, estava usualmente fora de qualquer radar.

DECISÃO / FLEXIBILIDADE / OPORTUNIDADE

Estava há cerca de 6 anos na Sumol+Compal como Gestor de Território quando fui convocado para uma conversa na fábrica de Viseu




onde iria decorrer uma reunião de Direção. Cheguei à hora marcada, deram-me indicação para entrar e vi nessa sala duas pessoas por quem sempre nutri uma elevada consideração. Uma delas, da Direção de Vendas, dirigiu-me a palavra, disse-me que estava em causa um projeto diferente daquilo que eu fazia nas Vendas Diretas, pois envolvia trabalhar com Distribuidores e assumir a função de Coordenador da Área Norte do país. Iria ter um novo chefe, ali presente, que era o Responsável Nacional por Cash & Carry e Distribuidores, iria liderar uma nova Equipa e portanto era um desafio que me estava a ser lançado, para eu pensar e depois dar uma resposta.

No meio de tantas pessoas que podiam ter sido escolhidas para aquela função, perante 2 profissionais de exceção que tomaram a decisão de me identificar como hipótese, perante o cheiro de um novo desafio e sabendo a quem iria reportar, recordo-me que não precisei de nenhum tempo para pensar, não perguntei que condições iria ter e respondi de imediato que o desafio estava aceite. Afinal, porque hesitaria, quando estava perante aquelas duas pessoas que mostraram acreditar em mim?

SUPORTE / INTEGRIDADE / ESCUTA

No meio de tantas reuniões, recordo hoje uma em que o clima foi ficando algo tenso, pois durante uma negociação com alguma complexidade, chegamos a um ponto em que já não era razoável eu ceder mais e o distribuidor assumiu uma posição a tocar ali a fronteira da intimidação e do confronto. Lembrou-me que eu estava há pouco tempo na função, que privou de perto com o Dr. António Eusébio criador da Sumol, que conhecia muita gente influente na empresa, que se quisesse negociava diretamente com o meu chefe de quem conseguiria melhores condições e isso estava à distância de um telefonema. Com a situação a estremar-se, disse-lhe calmamente que deveria então fazer os telefonemas que julgasse uteis e, sem

ceder, dei por terminado aquele diálogo. 

Na reunião regular que tinha com o meu chefe, disse-lhe que não tinha conseguido fazer negócio com este distribuidor, partilhei com ele as condições apresentadas e ele disse-me tranquilamente que estava ao corrente de tudo pois tinha recebido o tal telefonema a pedir uma reunião. Disse-me ainda que aceitou ter esse encontro e que ele iria realizar-se exatamente na sala onde nos encontrávamos… dentro de 30 minutos. Preparei-me então para sair e fui gentilmente mandado sentar.

O distribuidor entrou na sala e, apesar de efusivamente recebido pelo meu chefe, ficou gelado quando viu que eu estava também ali. Cumprimentou-me timidamente, disse que não esperava encontrar-me, pois assumiu que aquela conversa era apenas com o Responsável Nacional por Cash & Carry e Distribuidores. O meu chefe, pessoa brilhante que nos deixou precocemente e de quem guardo grandes recordações como esta que agora relato, disse que estava disponível para qualquer conversa de âmbito particular, mas que de negócios falaríamos os 3, pois eu, enquanto Coordenador, tinha total autonomia para negociar. O negócio foi fechado nas condições que eu apresentei! Estas capacidades de escutar, de ler o que se passou, de lidar com o conflito, de encontrar soluções e de mobilizar a sua Equipa dando-me este suporte no momento em que ele foi mais preciso, foram marcantes e reveladoras de uma personalidade de exceção.

CONCLUSÕES

1. O papel de qualquer líder é importante

Recentemente, um amigo com funções de grande responsabilidade que incluem a coordenação com sucesso de um alargado grupo de pessoas, dizia-me que estava um pouco farto dos treinadores de bancada pois proliferavam como cogumelos, não tinham tido qualquer experiência a lidar com pessoas,

despejavam uma verborreia do cimo de um de pedestal imaginário e que aquilo que debitavam acabava por ser uma mão cheia de nada, pois nem imaginavam as delicadas decisões que tinham de ser tomadas e os impactos que elas produziam na vida das pessoas e das organizações. Este desabafo, que considero exagerado, mas vindo de alguém que é um símbolo de uma liderança que eu designaria por competente inconsciente, já que a aprofundada formação académica robusteceu uma experiência de muitos anos, pode corporizar a necessidade que algumas pessoas expressam de, mais do que “grandes líderes”, terem quem lhes dê espaço, quem seja educado, quem respeite a diferença, quem escute e quem peça desculpa pelos erros que cometeu.

Poder-se-á perguntar se os lideres aqui apresentados poderão alguma vez ser comparados com as tais figuras míticas reconhecidas internacionalmente, referidas logo no 1º paragrafo deste artigo. A minha resposta é que, não só podem ser comparados, como devem ser comparados! O meu pai, diz com alguma regularidade que talvez não possa mudar o mundo, mas que se puder dar um pequeno contributo, isso já é positivo. Ora o que a realidade nos vai mostrando é que qualquer um de nós pode mudar o mundo e uma pequena ação exercida por apenas uma pessoa pode amplificar-se e ganhar proporções astronómicas. Pessoas que andaram na escola daquele “simples” professor, são hoje deputados, figuras públicas, quadros de grandes empresas, professores (porventura a mais importante profissão do mundo), profissionais de referência na área em que atuam, exercem a sua atividade em vários países, são pais e mães, poderão ter sido influenciados e têm uma crescente capacidade de influenciar. Estas pessoas podem mudar vidas e isso pode ter um efeito multiplicador!

2. É possível liderar sem ter uma Equipa formalmente constituída



É indiscutível que o modelo de sociedade que construímos obriga a que existam pessoas a quem são atribuídas responsabilidades muitos concretas – têm o seu nome num organigrama, são confrontadas muito mais questões do que soluções e têm mesmo que tomar decisões.

Estou certo que, se por um lado, todos nós conhecemos pessoas que fazem isto com um elevado sentido de responsabilidade, com prazer e com uma tranquilidade que lhes permite dormir bem todas as noites, por outro lado conhecemos também pessoas que, sendo grandes profissionais, jamais se chegariam à frente e veem na sua chefia e numa hierarquia construída a betão, o porto seguro de que precisam para dormirem bem. Qualquer destas opções é perfeitamente lícita.

As organizações de hoje tendem a ser mais flexíveis, as hierarquias esbatem-se, as pessoas organizam-se operacionalmente em grupos de trabalho fora das suas Equipas naturais com desafios constantes de articulação e isto promove também o aparecimento de lideres até aí ofuscados pela sombra de alguém. Assim, é cada vez mais comum vermos pessoas a saberem posicionar-se no fórum em que se encontram e a trocarem os lamentos pela procura do registo certo para se fazerem ouvir. Não, não é lirismo dizer que se pode liderar sem ter uma Equipa formalmente constituída, bastando para isso olharmos para algumas das habilidades referidas (Atitude, Energia, Visão, Comunicação, Flexibilidade, Escuta, etc., etc., etc.).

A liderança é pois também uma escolha entre agarrar ou assobiar para o lado, entre desatar um pequeno nó ou ficar sentado a ver a banda passar, entre tentar ver o todo ou focar-se exclusivamente nas tarefas que têm de ser desempenhadas. É arriscar um caminho novo com a energia a


que isso obriga, é assumir que o erro pode surgir, é dar feedback corajoso no momento certo quando podíamos estar simplesmente calados a ver alguém que está a… perder o pé.

Liderança está pois muito mais ligada ao impacto e à influência, do que a estar à frente de um exército com milhares de pessoas.

3. E há receitas…? Claro que sim!

O estudo de grandes autores, a leitura de algumas biografias, a procura de formação específica, o percurso que gradualmente se vai fazendo certamente contribuirão para que cada pessoa cresça e possa ser cada vez melhor líder, contudo, quanto a receitas para seguir à risca, recomendam-se sobretudo as prescritas pelo médico e as que nos chegam dos grandes chefs de cozinha. O contexto muda, as pessoas evoluem, os constrangimentos existem, os objetivos alteram-se, a volatilidade é constante e portanto o caminho vai ter percalços, não há duas situações exatamente iguais e consequentemente isto não vai lá, nem com paracetamol nem com um tutorial que usamos para fazer um Bacalhau à Brás.

Este tema não se esgota num simples texto e, mesmo deixando cair muitas dimensões, como, por exemplo, a velha dicotomia do chefe e do líder, há algo que não pode deixar de ser relembrado e que nós, que assumimos no nosso dia-a-dia responsabilidades de liderança, temos que ter sempre presente sob pena de nos perdermos no caminho. Temos que usar genuína e frequentemente a palavra Obrigado e a palavra Parabéns, temos que Valorizar e dar palco, e por fim, temos que ter a lucidez – porque não é de humildade que se trata – de perceber que as soluções que nos apresentam, quer na forma, quer na substância, podem ser bem melhores do que aquelas que idealizámos e que víamos como sendo absolutamente geniais.


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