12 de Agosto de 2025


ANDRÉ PINHEIRO

Direção de Qualidade


Conduta de Qualidade


Suponho que a definição do que é ou não ético varia de acordo com a evolução da sociedade. O que era aceitável há uns anos pode hoje ser totalmente ofensivo.



Assistimos atualmente a discussões acaloradas sobre os limites do humor, por exemplo, mas essa discussão já não é nova. Em 1988 aquele que é reconhecidamente o maior, ou um dos maiores humoristas portugueses, Herman José, viu o seu programa “Humor de Perdição” ser cancelado pela RTP por ter feito sketches satíricos com figuras históricas e religiosas, ao que os líderes da altura não acharam piada. Outro exemplo é o de fumar dentro de instalações fechadas, veja-se que até dentro de aviões era permitido fumar até há alguns anos atrás, o que hoje seria impensável.

Isto obriga a que muitas empresas tenham a necessidade de estarem constantemente a perceber qual a tendência da sociedade, para que se possam adaptar com o mínimo impacto possível. Deixo aqui um exemplo: 

Nos anos 50, um dos grandes concorrentes da Heinz no negócio de ketchup em garrafa, nos Estados Unidos, era a “Del Monte”.

Para tapar as suas garrafas, esta utilizava cápsulas da empresa de alumínios Alcoa que, quando decidiu


em 1953 apresentar ao mercado uma nova cápsula de rosca que iria facilitar a abertura das garrafas, criou um slogan que relacionado com uma dificuldade típica nas cozinhas: a de abrir frascos.

Para isso criaram o slogan “Queres dizer que até uma mulher consegue abrir?”, acompanhando com a imagem de uma mulher com ar espantado e uma garrafa de ketchup da Del Monte, com quem tinham a parceria.

A campanha foi erradamente atribuída à Del Monte, que mesmo naquela altura em que o machismo mantinha uma fortíssima presença na sociedade americana, sofreu com as críticas de chauvinismo que choveram após a campanha, e há quem diga que este foi o início de uma revolução silenciosa na sociedade, a favor de um protagonismo mais igualitário da mulher na sociedade, que na realidade só veio a ganhar real força várias décadas mais tarde. O que na altura alguns publicitários acharam que era perfeitamente ético revelou-se perfeitamente desastroso.

A nível do que está definido, hoje em dia, a norma de qualidade mais comum (ISO 9001), não menciona qualquer obrigatoriedade de definir a ética da empresa, ou mesmo o código de conduta, mas refere em várias


secções a necessidade de encetar esforços para atingir os objetivos e a satisfação do cliente e das partes interessadas, que devem incluir os próprios trabalhadores. Para quê definir valores de ética se não serão cumpridos, muitas vezes pela própria gestão? Não é difícil que quem trabalha na linha de produção se aperceba, e com isso rapidamente perde não só a confiança na capacidade de liderança do gestor, como também a motivação para dar o seu melhor.

Tendo completado meio século de vida poucos dias antes da escrita deste artigo, posso considerar que ainda sou do tempo em que muita gente achava que os trabalhadores tinham que saber a política da qualidade da empresa de cor e salteado, porque “o auditor pode perguntar sobre isso”.

Não, não tem nada a ver com a auditoria, mas antes com a cultura da empresa, e não é necessário que saibam de cor a Política, ou a Missão e os Valores, ou o que seja. Mas independentemente do que dizem as normas, se a empresa tiver definido um código de conduta, é necessário que tanto o administrador como as pessoas na linha de produção tenham uma noção geral do que ele diz, pois é indistinto do posto ou função. Se a






empresa define um código de conduta é porque se preocupa com a forma como as pessoas interagem entre si e com o exterior. É habitual estar descrito o código de conduta à entrada de qualquer centro comercial, ou em bilhetes para espetáculos culturais. Claro que ninguém lê aquilo, mas é uma forma da empresa se defender em caso de abusos e de justificar uma eventual expulsão de um cliente.

O código pode ser definido apenas e só porque “fica bem” em termos comerciais, ou quiçá porque houve um problema e foi necessário definir regras claras, mas não é descabido que, com a variedade de culturas e formas de 


pensar que existem  hoje na sociedade, haja uma série de linhas mestras que indiquem a todos o que é aceitável ou o que não reflita a forma de pensar da empresa, o seu posicionamento. Mas atenção: isto será válido apenas dentro da empresa, ou quando saímos pelo portão depois do horário de trabalho continuamos sujeitos ao código de conduta? 

Em muitos casos a resposta é claramente “sim”, mas o tema pode ser complexo.

Por exemplo, os comentários que as pessoas fazem nas redes sociais, muitas vezes movidos por raiva e inveja, são habitualmente alheios à 


empresa onde essas pessoas trabalham, mas e se o comentário for feito no Linkedin, onde está claramente descrita qual a empresa onde a pessoa trabalha? Poderá a empresa tomar ações contra o empregado por ter violado o código de conduta? Se alguém vai ter com a empresa a questionar se partilha da opinião do seu colaborador, o que deve esta responder? Será ético que a empresa se preocupe com as opiniões que os seus empregados publicam em redes nas quais representam a empresa? É um tema delicado, com certeza, e já por isso eu prefiro nem fazer comentários!


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