Todos os projetos de formação em que estava envolvido (e este
ano eram muitos) foram cancelados sem data prevista para a sua execução. É um
período bom para refletir, investigar, criar e ajudar. Não tendo poderes premonitórios,
e uma vez que ninguém sabe as reais consequências de tudo isto quando terminar,
tentarei, sim, falar-vos do cenário possível no universo da formação nas
empresas, nomeadamente na área em que trabalho, e da esperança de aprendizagem
como consequência desta crise. Tal como nas palavras de Anne Harbison: “Never let a good crisis go to waste.”
É possível que:
Haja um aumento substancial da formação à distância. Durante
este período de isolamento tornamo-nos mais capacitados no uso das plataformas
digitais, encontrando em algumas um excelente potencial para este efeito. Desta
forma, ficou claro que quando se trata da transmissão de conceitos e
aprendizagens técnicas, a formação online resulta, otimizando a gestão
do tempo, de recursos, e eliminando o desconforto da deslocação para a sala de
formação.
Gostaria que:
Não se confundisse a formação técnica com a formação
comportamental. Parece-me que o “saber-saber” e o “saber-fazer” podem ser
desenvolvidos através de metodologias online. Quanto ao “saber-estar” e
o “saber-ser”, ou seja, as competências comportamentais, creio que não basta
ter consciência dos conceitos para dar início a mudanças observáveis. Neste
caso, é necessário o treino dessas competências através da experiência. É
fundamental neste domínio não perdermos de vista o “Ciclo de Aprendizagem de
Kolb”, que defende a importância da aprendizagem centrada na experimentação,
reflexão, feedback e consequente assimilação de novos conceitos e
competências.
Uma formação mais eficaz na área do comportamento implica o
uso de metodologias presenciais que envolvam as emoções do formando e as suas
crenças, tais como jogos pedagógicos (indoor e outdoor), dramatizações,
simulações, role-plays, brainstormings, momentos “UAU!”, entre
outras. Assim como o consequente debriefing através da facilitação das
aprendizagens que resultam destas experiências e o importante feedback honesto
do formador.
Por este motivo, quero acreditar que as empresas vão
continuar a investir na formação presencial no que concerne ao treino de
competências comportamentais. Reafirmo, no entanto, o papel cada vez mais
relevante que a formação online deverá ter como excelente complemento à
formação presencial, permitindo, de forma eficaz, follow-ups dos planos
de ação definidos no final dos cursos e sessões de coaching, nas quais
os participantes possam ser devidamente acompanhados na mudança dos hábitos
desejados.
É possível que:
Logo após esta fase, as pessoas tenham receio da proximidade
física, o que vai implicar ajustamentos no tipo de dinâmicas interpessoais
feitas nas formações. Atividades pedagógicas que impliquem mais relação e contacto
físico terão, eventualmente, de ser adaptadas para que o desconforto, mesmo que
inconsciente, associado ao perigo da proximidade social não seja um ruído ao
foco e à aprendizagem. No entanto, acredito que com o tempo as pessoas vão
querer muito mais todo o tipo de atividades que implicam relacionamento
interpessoal, pois tenderemos a querer mais daquilo de que fomos privados.
Gostaria que:
Quando tudo estiver efetivamente estabilizado, e as dinâmicas
sociais voltarem ao normal, que os formandos (e os formadores) sejam mais gratos por poderem fazer parte desta
maravilhosa atividade que é a formação e estejam mais “no momento”, isto é, que
se evite, por exemplo, recorrer constantemente ao smartphone durante os
cursos, mas que se aproveite o privilégio de estar com outras pessoas, com as
quais podemos comunicar usufruindo de todas dimensões emocionais da expressão
verbal e corporal, pessoas com quem podemos construir em conjunto, rir,
aprender, discutir, mostrar afeto, tocar
e abraçar.
Acredito que depois desta fase, todos iremos valorizar mais o
prazer de poder estar com o outro e gostaria que os écrans, que são agora o
único recurso que temos, estejam menos presentes enquanto distratores da
realidade.
É possível que:
As pessoas passem a valorizar mais alguns temas de formação,
que muitas vezes eram vistos com algum ceticismo pelos mais analíticos.
Refiro-me, entre outros, a temas como a “Inteligência emocional”, ou a
capacidade de termos consciência e de fazermos uma gestão eficaz das nossas emoções e das dos outros; como a
“Psicologia Positiva”, ou os hábitos que devemos colocar em prática para
aumentar o nosso bem estar subjetivo de forma consistente (veja-se, por
exemplo, como, finalmente, se esta a valorizar a importância da prática da
meditação ou de expressar gratidão); como a “Criatividade”, ou como podemos nos
reinventar e criar novas formas de trabalhar para transformar a crise em
oportunidades.
Há que reconhecer que
estas competências são, afinal, fundamentais, na medida em que foi a sua mobilização
que nos ajudou a lidar com a ansiedade do isolamento, nos deu propósito e
significado para aguentar com esperança e resiliência melhores dias, e nos ajudou
a adaptar criativamente os poucos recursos existentes durante este período tão
difícil.
Outros temas passarão a estar na ordem do dia, como aliás já
estão, tais como “Saber liderar em situações de crise”, “Saber gerir equipas de
trabalho remoto”, “Saber implementar o
teletrabalho”, “Fazer uma gestão eficaz do email”, “Encontrar o equilíbrio
necessário entre a vida familiar e profissional quando se trabalha a partir de
casa”, etc.
Gostaria que:
A valorização de todos
estes temas seja uma realidade e que as pessoas passem, efetivamente, a colocar
em prática os conteúdos que aprendem nas formações para que em situações de pressão
(e da crise que vamos todos combater) estejam melhor preparadas.
Gostaria também que tenhamos em consideração o que muda com o
advento crescente de relações profissionais online, enquanto desafio
para os investigadores na área da psicologia e das relações interpessoais. Por
exemplo, se neste tipo de comunicação, temos tendência, por um lado, a fazer
intervenções mais focadas, pois devido às condições tecnológicas temos de
respeitar o momento em que cada um está a falar e, por isso, temos mais tempo
para pensar antes de falar, por outro lado, a barreira do écran permite
uma maior dissimulação emocional, o que
poderá levar à camuflagem de discordância e potenciar conflitos invisíveis. Tudo
isto levanta questões desafiantes, e
muito interessantes, ao nível da leitura do outro e dos processos de influência.
Por último:
É possível que corra bem, gostaria que corresse bem, vai correr bem! Até já!