Ainda assim, os problemas foram ignorados, sob o pretexto de que as quantidades libertadas eram mínimas, o que sabiam não ser verdade. Deram um nome ao aditivo que ignorava deliberadamente a palavra chumbo: Ethyl. A produção globalizou-se.
Apenas no final dos anos 70 – mais de 50 anos depois do início da sua comercialização – é que foram divulgados estudos que provavam os efeitos nocivos do chumbo libertado pelo Ethyl. Sabemos hoje que provocou muitos milhões de mortes, que terá causado graves efeitos secundários como cegueira, infertilidade, anemia, perda de inteligência e maior propensão para a violência. Felizmente já não é usado nem produzido em nenhum país do mundo, ainda que os últimos países a abandonar o tenham feito recentemente.
Como se não bastasse o feito de ter criado este veneno global, Midgley somou outra invenção: o Freon ou CFCs.
No final dos anos 20 os ares condicionados e frigoríficos dependiam de químicos refrigeradores que eram inflamáveis, tóxicos ou explosivos. Midgley criou o CFC como algo que resolvia todos esses problemas, sem aparentemente quaisquer inconvenientes. Mais tarde generalizou-se o seu uso em sprays.
Na altura não se sabia o que fazia a camada de ozono ou que os CFCs, sendo inócuos ao nível do mar, progressivamente iam subindo e destruindo essa fina camada que nos protege. Apenas nos anos 80 se descobriu e provou a relação, que conduziu à eliminação destes compostos. Se não tivéssemos parado de produzir CFCs a catástrofe seria numa escala gigantesca.
Estas duas invenções de um homem brilhante causaram imensos danos aos humanos e ao planeta, mas partem de duas bases opostas: num o mal que o chumbo provocava era conhecido por ele e pela sua equipa, mas foi desvalorizado, no outro caso parecia genuinamente inócuo com o conhecimento de então, mas poderia ter eliminado grande parte da vida na terra.
Midgley não era um génio do mal, um vilão dos filmes Bond, empenhado em acabar com o mundo. No entanto, esteve mais próximo de o conseguir do que qualquer outra pessoa.
Poderemos aprender bastante com este génio. Em primeiro lugar, por mais brilhantes que sejamos, não poderemos antecipar todas as consequências dos nossos atos. O Freon parecia genuinamente uma fantástica invenção, que resolvia problemas comuns, como o de criar
frigoríficos seguros, capazes de serem produzidos e usados em massa.
Por outro lado, os malefícios do chumbo eram bem conhecidos. É muito humano que quando o incentivo para algo é muito grande – neste caso riqueza, fama, poder – tendemos a desvalorizar as consequências negativas. Ficamos cegos ao óbvio. Quem nunca desvalorizou uma falta da sua equipa na área e reclamou penalti quando foi na área contrária, que atire a primeira pedra.
Saber que não conseguimos antecipar as consequências dos nossos atos e que, mesmo quando somos capazes de o fazer, escolhemos ignorar se isso nos convém, é desagradável e difícil. É reconhecer a nossa humanidade e fragilidade. Por isso mesmo é tão importante. Se formos capazes de o fazer, entenderemos melhor como funcionamos nós próprios e os demais.
Disse no início que iria falar de três invenções mortíferas de Thomas Midgley Jr. Falta ainda a terceira. Em 1940 ele contraiu poliomielite, ficando com a mobilidade muito afetada. Inventou por isso um mecanismo para se levantar da cama, com alavancas e cabos. A sua última invenção só provocou uma vítima: Midgley morreu asfixiado pelos seus cabos.