31 de Maio de 2024






MÁRIO CASTRO MARQUES

Consultor especialista em proteção da Inovação | Agente Oficial da Propriedade Industrial


Será que a contrafação/cópia por terceiros beneficia mesmo as marcas?



Quantas vezes já ouviu dizer que “as marcas até beneficiam com as cópias/contrafações que surgem nas feiras e noutros locais”? E que “até fazem publicidade e divulgam as marcas”?



Quantas vezes já ouvi este tipo de argumentos para servir de justificação para uma condescendência com a cópia/contrafação, seja nos próprios tribunais onde intervim como mandatário, seja mesmo junto de alguns empresários com quem falei, em que me diziam que “não se importavam que a sua marca fosse copiada por outros porque até era uma boa forma de ser conhecida...”.

Para começar, devo salientar que esta perceção é deturpada e não corresponde sequer ao “legalmente admissível”. Como sabemos, certas ideias e perceções suportadas apenas em observações superficiais podem, muitas vezes, conduzir a ideias ou conclusões erradas. É o que acontece nesta situação.

Em matéria de registo de marcas, existe um conjunto de regras1  e princípios particulares e que devem ser tidos em conta.


Uma marca é algo imaterial, intangível com especificidades próprias.

Ora, a “apropriação” de uma marca – através da concessão de um registo – destina-se a realizar uma certa função e está envolvida de exigências, requisitos e mesmo de obrigações.

Com efeito, o exclusivo (sobre a marca) é atribuído para desempenhar, nomeadamente a função de indicação da proveniência de produtos ou serviços relativos a uma certa origem empresarial. Isto é, de uma forma menos técnica a marca é um identificador de um produto de certa empresa.

No mercado em livre concorrência, a admissão e concessão de um exclusivo sobre uma marca, está, pois, em grande medida, dependente da marca desempenhar, na prática, aquela função, sendo usada efetivamente para identificar certos produtos/serviços de uma certa proveniência empresarial.

Assim, caso uma marca previamente registada, ao longo do tempo, por atividade ou inatividade do seu titular, se torne uma designação

genérica, ela deixará de desempenhar a sua função primacial junto do público consumidor. Este público passará, então, a entendê-la e observá-la como uma designação ou termo que se refere a um tipo ou gama de produto ou serviço - e não a uma identificação de um certo produto proveniente de uma empresa.

A este fenómeno de perda do caráter distintivo chama-se degenerescência ou vulgarização e pode ter como resultado a perda do exclusivo inicialmente conferido a alguém. Aquele motivo que se subjazia à concessão do registo e do correspondente monopólio deixou, pois, de existir e, por conseguinte, desapareceu a justificação para a persistência do referido monopólio no mercado.




1 Sobre este assunto vd. nosso artigo “Um jogo chamado propriedade intelectual. Algumas regras iniciais” - https://startandgo.pt/article/1159/um-jogo-chamado-propriedade-intelectual-algumas-regras-iniciais  

Tendo isto em conta, observa-se que a degenerescência da marca se encontra expressamente plasmada na nossa legislação vigente (Código da Propriedade Industrial - CPI) prevendo-se, então, que o registo dever ser declarado caduco se “A marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou serviço para o qual foi registada, como consequência da atividade, ou inatividade, do titular” – alínea a do nº 2 do artigo 268 do CPI.

É importante ainda realçar que a perda do registo e do respetivo direito têm de ser requeridas por qualquer interessado e tem ainda de ser provada, para além da própria vulgarização da designação, que esta decorreu da própria atividade ou inatividade do seu titular.

No primeiro caso, da própria atividade, a transformação numa designação corrente terá de ser o resultado do titular usar a marca enquanto um termo genérico ou descritivo do próprio produto ou serviço, dando-lhe esta clara ideia falaciosa ao consumidor. Por isso, realça-se que certas técnicas de marketing que são empregues e que jogam com a sua marca e outras palavras, podem não constituir uma prática muito recomendável!

Por outro lado, no segundo caso, da inatividade ou passividade por parte do titular, trata-se da perda do caráter distintivo em consequência do próprio titular abdicar de defender a sua marca, por qualquer modo, consentindo, tacita ou implicitamente, que os demais agentes económicos usem a sua marca enquanto termo referente a um certo tipo ou gama de produto. Realça-se, por isso, que a expressão “quem cala consente” neste domínio pode de facto ter efeitos nefastos para quem cala.

Adicionalmente, observa-se também que a “pena” legalmente prevista – caducidade do registo – para aquela atividade ou inatividade, geradora da perda da distintividade, tem subjacente, pois, uma obrigação 

por parte de cada titular de controlar devidamente o uso da sua marca e de, pelo menos, manter ou conservar a função distintiva da sua marca.

Por outras palavra, cada titular não deverá deixar a sua marca à mercê dos outros, devendo estar atento e controlar o uso que os outros fazem dela sob pena de ser prejudicado e de poder perder a sua marca.

Sim, é o “proprietário” da marca o principal interessado e beneficiado com o exclusivo que lhe foi atribuído e a legislação atual considera que é este que deve ter o principal papel e incumbência de defender o que é seu – e não o Estado, embora este deva disponibilizar-lhe um sistema de justiça célere e que defenda, efetivamente, os direitos daquele proprietário.

Em face do que foi acima explicado e regressando à nossa pergunta inicial – “Será que a contrafação/cópia por terceiros beneficia mesmo as marcas?” – na nossa opinião convicta, entendemos que a contrafação não 

beneficia de modo algum a marca, quer quanto à sua imagem pública, quer no que diz respeito ao direito legal de exclusivo que foi atribuído ao seu titular.

O titular de qualquer marca tem, então, o dever de estar atento e defender o que é seu, reagindo contra atos de terceiros.

A este propósito, a questão que deixamos aqui é a seguinte: mas não é a mesma situação que temos quando somos proprietários de, por exemplo, um automóvel ou de um terreno, e que devemos cuidar do que é nosso, estando atentos a eventuais “roubos” ou abusos de pessoas menos respeitadoras?? – Parece que sim.

É importante que os “proprietários” de marcas, que detêm nas suas mãos um exclusivo sobre um ativo intangível importante e valorizável, tenham também a perceção de que, também aqui, devem defender o que é seu, para depois não serem “apanhados despre­venidos” ou terem enormes desilusões.

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